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Wednesday, 26 October 2011

Um Poeta nas Trincheiras (Mais!)

Posted on 21:59 by Unknown
São Paulo, domingo, 21 de junho de 1998


Primeiro volume das obras
completas de Heiner Müller
reúne lírica do diretor
alemão


JOSÉ GALISI FILHO
especial para a Folha

A editora Suhrkamp iniciou a publicação da obra completa de Heiner Müller. O primeiro volume é dedicado à lírica do autor. Seguindo os mesmos critérios da edição mista dos 30 volumes de Brecht (Berliner und Frankfurter Ausgabe), concluída em fevereiro, optou-se pela apresentação em gêneros. O projeto compreende sete volumes, unificando, num mesmo corpus, ensaios, traduções, fragmentos, peças e sistema de variantes.
Trata-se de um desafio diante de uma poética programaticamente elaborada a partir da noção de "fragmento sintético", que visa a um duplo objetivo: evidenciar e distanciar, no movimento da obra, a historicidade interna da própria reflexão de Müller dentro da tradição literária, e, a partir desta diferença, condensar, pela proximidade, em cada volume, a unidade estrutural dos vários gêneros em que se desdobra. A edição incorpora definitivamente Heiner Müller ao repertório clássico contemporâneo.
A escolha da lírica tem um objetivo estratégico. Como espaço interno de autocompreensão e autodenúncia, ela sempre foi entendida por Müller como o núcleo de sua própria experiência como sujeito à "espera da História", um intervalo no qual se processa inconscientemente o metabolismo da imaginação.
Não são poucos os críticos que apontaram uma orientação essencialmente adorniana -e idealista- no programa poético de Müller. Durante muito tempo, considerou-se esta atividade como um subproduto de sua dramaturgia, ou, quando muito, um laboratório de futuras encenações.
O impulso experimental que avança sobre outros gêneros acabaria sempre reconduzido a uma compreensão unilateral da forma. Müller sempre compôs poemas desde o início de sua carreira. Para o editor e organizador do volume Frank Hörnigk, é preciso romper com essa avaliação redutora e ampliar o conceito de produção em Heiner Müller, na medida em que o próprio autor, nos últimos anos, distanciando-se de sua assimilação pela máquina cultural, procurava afirmar sua autonomia neste campo.
Esta preocupação se revela nas datas atribuídas aos poemas, uma necessidade que Müller se impôs para poder historicizar seu próprio material, um dos problemas mais sérios da edição, que reúne 120 textos inéditos.
A reunião de muitos fragmentos se transforma num complicado quebra-cabeças para determinar uma cronologia que corresponda a seu movimento interno, ou, nas palavras de Müller, ao "movimento interno do próprio material", refratário à cronologia externa. Müller colaborou com Hörnigk na elaboração deste primeiro volume e somente foram incluídos poemas datados pelo autor.
A metáfora para Müller não representa apenas o resultado de uma interpretação da realidade, mas uma atitude em relação a ela. A redução do mundo à imagem inocula na realidade um "vírus de futuro", que a torna incompatível com seu negativo, que já foi denominado de ideologia.
Nos últimos anos de sua vida, Müller apurou seu verso de maneira cada vez mais compacta, cristalina, movido pela aceleração do processo histórico, diante de um horizonte intelectual cada vez mais hostil a sua própria experiência. Na busca desta concisão, reduzia as sentenças a uma ossatura rochosa, sob as quais parece fluir uma corrente interna de pulsões. As palavras mal acompanham a velocidade desta redução a um núcleo de verdade.
Uma das características deste eu lírico é sua blindagem diante da colonização progressiva da imaginação pelos mídias. Esta panzerificação, como tema da espera subjetiva, representa a própria curva negativa contemporânea, petrificação de todas as energias e reversão de uma transformação social consequente.
Este movimento de dentro para fora encontra, de um lado, a máquina como expressão da alteridade absoluta e, num pólo complementar, o recuo da realidade sensível e seus sentidos habituais por meio de uma dramatização do olhar.
Martin Jay definiu a modernidade como a hegemonia do paradigma visual. Nenhuma poética relevante dos últimos cem anos pôde ignorar a transformação da percepção a partir da automatização do olhar, da mecanização e colonização da sensibilidade (Walter Benjamin).
Um dos temas recorrentes de Müller, disperso em sua lírica, é o olhar duplicador das significações, um negativo do ponto de vista transcendental, radicalizado na linha Kant/Fichte, esvaziamento de todas as significações sensíveis. Este olhar para Müller somente se afirma como uma declaração de guerra à realidade, desenhando seu percurso no limiar desta perda de sentido.
Bombardeado pela tempestade dos mídias, o olhar se torna armado e vetor de destruição absoluta, na eliminação da diferença temporal pela simultaneidade totalitária da guerra eletrônica. Paul Virilio dedicou uma bela elegia a Heiner Müller, chamando-o de o "filho da guerra total": o artista mais radical da segunda metade do século 20 na elaboração do impacto da alta tecnologia sobre a sensibilidade.
O resultado deste apagamento do horizonte sensível é a elipse absoluta do eu lírico. O gesto deste poema, bem no fim de sua vida, parece apontar para o epílogo da prosa negra da "Dialética do Esclarecimento": "É bem verdade que o que é suspeito não é a representação da realidade como um inferno, mas sim a exortação rotineira a fugir dela.
Se o discurso pode se dirigir a alguém hoje, não é nem às massas, nem ao indivíduo, que é impotente, mas antes a uma testemunha imaginária, a quem o entregamos para que ele não desapareça totalmente conosco".
Na máquina publicitária moderna, a própria ficção numérica assume a eloquência de objetividade. Somente o capital é sujeito da paisagem. O eu lírico, que se subtrai à própria descrição e se anula como mitologia, decreta a ficção do diálogo, pois, se existem testemunhas, elas somente podem ser imaginárias, um delírio estatístico. A autoreferencialidade da máquina não é senão o autismo do próprio capital escarnecendo do humano.

__________________________________________________________________
José Galisi Filho é mestre em teoria literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorando em germanística na Universidade de Hannover (Alemanha).
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