São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001
A nova geração
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Axel Honneth, o novo diretor do Instituto de
Pesquisa Social, discute a herança de seus
predecessores e comenta a situação atual
das ciências humanas
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O filósofo Axel Honneth, o novo diretor do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt
José Galisi Filho
especial para a Folha , de Frankfurt
Instituição quase mítica para o pensamento de esquerda nos anos 60, o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt tem desde maio um novo diretor. Uma das metas do filósofo Axel Honneth é dar novo vigor intelectual ao instituto, que viu seu prestígio e influência declinarem desde os anos 70, com a morte de Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Erich Fromm -que constituíram, entre outros, a chamada Escola de Frankfurt.
Foi na obra capital de Adorno e Horkheimer, "Dialética do Esclarecimento", que surgiu o termo que até hoje melhor define a forma como as forças do mercado moldam a cultura na sociedade de massa -a "indústria cultural".
Foi sobretudo Jürgen Habermas, frankfurtiano de segunda geração, o responsável pela relativização das teses de seus mestres, ao se aproximar da filosofia pragmática americana, de nomes como Dewey e Peirce.
Na entrevista a seguir, Honneth, que foi assistente de Habermas em Frankfurt entre 1983 e 89, discute o legado de seus precursores e analisa as relações entre o seu pensamento e os estudos culturais norte-americanos. Enfatiza também a necessidade de recuperar a "perspectiva interdisciplinar" que caraterizou o trabalho das duas gerações anteriores diante de uma Alemanha dilacerada por conflitos de identidade.
Como um frankfurtiano da "terceira geração" administra heranças críticas, a partir de um certo ponto, tão conflituosas como as de, por um lado, Adorno e Horkheimer, e, por outro, Habermas? Quais são as suas expectativas na direção do Instituto de Pesquisa Social?
Para contextualizar minha resposta, reporto-me a um momento marcante do instituto. Depois da saída de Horkheimer e da morte de Adorno, o Instituto de Pesquisa Social entrou numa fase de transição. Houve inicialmente uma espécie de profissionalização da pesquisa social até então desenvolvida, uma profissionalização ainda em bases marxistas, mas já com uma forte orientação para a sociologia industrial direcionada aos movimentos sindicais, o que conduziu inevitavelmente a uma redução do espectro temático anterior. E por um bom tempo aquela perspectiva interdisciplinar, que sempre caracterizara o trabalho dos predecessores, esteve ausente ou diluída. Espero poder contribuir para a recuperação dessa perspectiva interdisciplinar que reaproxime a teoria social da perspectiva filosófica.
Isso não significa se deixar "conduzir" diretamente pelos legados de mestres como Habermas e Adorno, tampouco buscar uma "recomposição" dessa herança, mas precisamos considerar hoje o debate social na Europa e no mundo e, por meio de novas metodologias, buscar nosso próprio caminho e abrir novas perspectivas, nas quais aquelas velhas orientações sejam preservadas, sobretudo nesse espírito interdisciplinar da pesquisa, a saber, a investigação e a pesquisa de desenvolvimentos conflituosos e dos paradoxos da modernização capitalista.
Essa perspectiva em seu trabalho parece dever muito aos estudos culturais americanos. Não é uma posição pouca ortodoxa para um frankfurtiano?
Sim, mas tão impregnante quanto essa influência é a presença da sociologia teórica francesa em meu trabalho. Antes que eu me voltasse para a filosofia americana, frequentei durante longos anos a escola francesa. Isso se percebe claramente em meu volume de ensaios "O Mundo Dividido do Social" (1989), que são estudos sobre Castoriadis, Bourdieu, Lévi-Strauss. Sempre procurei me desenvolver dentro da teoria crítica diante dos desafios das várias tradições da sociologia. Se a influência do pragmatismo americano é clara, como mencionado, diria que nos últimos anos o papel da psicanálise aumentou consideravelmente em minha reflexão.
Em "O Admirável Mundo Novo do Trabalho" o sociólogo alemão Ulrich Beck defende que as economias do Primeiro Mundo serão tomadas pelo trabalho informal, já muito evidente em países como o Brasil. Isso seria um exemplo do que Beck chama de "segunda modernidade", marcada também pelas crises ecológicas, a individualização acelerada etc. Como o sr. vê esse processo?
Essas novas tendências de desregulamentação e precarização do mercado de trabalho são paradoxos típicos do moderno. Nesse sentido, dou inicialmente razão a Ulrich Beck. A sociedade industrial do Primeiro Mundo se desenvolveu a partir da demanda pela qualificação crescente da força de trabalho em todos os seus domínios, mas, a partir de um ponto, esse desenvolvimento começou a subutilizar essa mesma força de trabalho, distanciando-se das formas remuneradas do trabalho regular.
Essas mudanças foram também descritas com bastante precisão por Robert Castel em seu livro "Les Metamorphoses de la Question Sociale" (As Metamorfoses da Questão Social, ed. Gallimard). O que se percebe hoje é que essa tendência vem assumindo contornos alarmantes, por uma subdemanda da integração normativa do trabalho qualificado no capitalismo moderno.
Mas, se por um lado concordo no plano descritivo com Ulrich Beck, não posso compartilhar a valoração positiva do conjunto, isto é, que aponta para a superação do trabalho remunerado. Seria preciso distinguir entre diversas formas de precarização. Há sem dúvida uma flexibilização do mercado de trabalho na forma de tarefas temporárias que ainda preservam o estatuto de normatividade do trabalho regular e remunerado, ou seja, uma flexibilidade que ainda mantém o potencial emancipatório da sociedade do trabalho, abrindo ao indivíduo mais espaço para tarefas criativas como trabalhos domésticos, comunitários, mais tempo para a educação das crianças, por exemplo.
São formas positivas da flexibilização, que devemos até incrementar, mas sempre preservando seu estatuto legal dentro do Estado social, ou seja: flexibilização e seguridade social, e não simplesmente flexibilização pelo confisco do estatuto jurídico do trabalho, pela sua desnormatização. Flexibilização, no contexto descrito por Beck como "brasilização", é simplesmente a anulação do estatuto legal do trabalho, o confisco dos direitos elementares do Estado social, a que não podemos renunciar.
O economista Carl Christian von Weizäcker, da Universidade de Colônia, afirmou recentemente que o centro do marxismo da chamada Escola de Frankfurt nada mais era, na essência, do que um movimento religioso sob traços leigos. Seria uma religião acadêmica?
Sim, ela foi uma religião acadêmica, mas isso já é passado. Não há nenhuma dúvida de que tenham existido, na tradição da Escola de Frankfurt, motivos quase religiosos -fossem do messianismo judaico ou mesmo cristão- que impregnaram a idéia de revolução, de ruptura do continuum histórico, numa espécie de ruptura em direção a um segundo moderno capitalista, para o estabelecimento de um estado de reconciliação pós-utópico entre sujeito e objeto. Tudo isso pertencia a esse contexto dos anos 60.
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Numa análise minimamente sóbria, o
proletariado já era nos anos 20, mas
sobretudo nos anos 50 e 60, fortemente
aburguesado, e daquela virtualidade de
um sujeito revolucionário não havia mais
nenhum vestígio
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Mas essa impregnação de fontes e perspectivas quase religiosas não atinge em nada o núcleo potente de verdade da teoria crítica e de sua análise aguda da modernização capitalista em Adorno, Marcuse, Horkheimer e, até mesmo, em Walter Benjamin. No centro dessa crítica reside uma percepção substantiva dos elementos centrais dos antagonismos, da dilaceração e de ambivalências da modernização capitalista que se referem a processos reais.
Se a experiência do nacional-socialismo foi determinante para a dominância do conceito de razão instrumental na constituição desse núcleo teórico nos anos 30 e 40, os prognósticos da análise social continuavam válidos e defensáveis até o final dos anos 60. O papel do marxismo vulgar dos anos 60 tinha muitos traços de uma recusa da realidade social na ênfase do proletariado como "sujeito revolucionário". Havia muitos traços de recusa do real.
Numa análise minimamente sóbria, o proletariado já era nos anos 20, mas sobretudo nos anos 50 e 60, fortemente aburguesado, e daquela virtualidade de um sujeito revolucionário não havia mais nenhum vestígio. Nesse sentido, a teoria crítica era uma aproximação sóbria e um corretivo desse marxismo vulgar. Acredito que Habermas tenha desempenhado um papel decisivo nessa tarefa corretiva e na análise dos ilusionismos do marxismo dos anos 60. Minha orientação da análise de Habermas decorre sobretudo desse realismo sóbrio de sua teoria social diante desse marxismo.
A Terceira Via começa a sofrer críticas severas na própria Inglaterra, mas também no Brasil, onde o próprio presidente, um sociólogo de prestígio, assume as afinidades com as idéias de Anthony Giddens e o projeto de Tony Blair. Por que o estatuto de tábua de salvação atribuído à Terceira Via declinou tão rapidamente?
A Terceira Via deveria ser uma tentativa de regulamentação dos aspectos negativos do mercado com uma restrição e disciplinamento de suas patologias -nas palavras de Habermas. Estou inteiramente convencido de que seja possível conciliar o mercado e sua expansão, ou seja, equalizar justiça social e vínculos solidários, num balanço entre formas comunitárias, solidárias e societárias. Isso não depende só de programas de governo.
"O Todo é o não-verdadeiro". Como essa sentença de Adorno deveria ser lida hoje?
Sem as mesmas condições políticas e sociais nas quais Adorno a formulou, isto é, no quadro de uma formação histórica muito específica, de uma lógica do declínio na convergência entre o nacional-socialismo e o stalinismo, essa afirmação não seja mais sustentável nas condições de nosso presente.
O que seria possível fazer com as "ruínas" dessa estética, nas palavras de Albrecht Wellmer, e sua sentenciosidade que tende ao enrijecimento?
Essa estética também não sobrevive além desse quadro de negatividade mencionado. Ela foi a tentativa tardia de restabelecer uma estética sob o signo da negatividade. Mas essas "ruínas" são o próprio conjunto da obra de Adorno. Ela foi pensada para ser decodificada em seus fragmentos e nesse movimento de desmoronamento. Não é possível reconstruí-la numa unidade, mas devemos antes reconhecer em cada fragmento desse conjunto, em seus movimentos parciais, o potencial de conhecimento e a beleza que ela irradia nessa descontinuidade.
Acho que a idéia de Adorno de um conceito aporético de liberdade sobrevive a esse desmoronamento, como na "Minima Moralia" (lançado no Brasil pela editora Ática). Não podemos nos aproximar dessas ruínas como de um sistema homogêneo, mas sim buscar em cada uma de suas partes as relações produtivas de sentido de seu conjunto.
Em "A Luta pelo Reconhecimento" (1992) o sr. ressalta a importância do conflito real entre os diversos grupos sociais como dínamo do desenvolvimento histórico. De que forma isso constitui uma crítica ao domínio da "razão instrumental" pregada por Adorno e Horkheimer e, por extensão, uma crítica à própria teoria crítica?
Tenho em vista a continuação de uma teoria social dos potenciais de conflito originária de Marx e Sorel até o presente. Contudo, se existe nessa tradição uma certa tendência de considerar a "luta" como um conflito de interesses já dados, procuro formular essa luta essencialmente como um conflito simbólico dos atores sociais em busca do reconhecimento moral, ou seja, na busca simbólica de identidades morais individuais e coletivas.
E qual seria seu conceito de moderno a partir dessa "identidade moral". Esse "moderno é o nosso moderno", como se pergunta Luhmann?
Essa é uma questão difícil. Naturalmente há várias conceitualizações do que seja uma sociedade moderna. Pertenço a uma tradição européia anterior, que não partilha esse conceito sistêmico de Luhmann. O conceito de Luhmann caracteriza-se por princípios normativos e instâncias auto-regulatórias da integração social.
Luhmann está convencido de que a integração social se processa de forma sistêmica, uma integração sistêmica por meio dos vários subsistemas independentes em sua auto-reprodução, enquanto a perspectiva da integração social, sob o ponto de vista da integração moral dos sujeitos dentro da sociedade, não desempenha para ele um papel central, como na minha variante. Nesse aspecto, diferencio-me estritamente de Luhmann e me alinho com a vertente habermasiana, ou seja, com a idéia da dominância da integração social sobre a dominação sistêmica.
Quais seriam as perspectivas da "constelação pós-nacional" para a Alemanha no início deste século?
Não estou convencido, como Habermas, de que as tendências atuais levem a uma superação da jurisdição do Estado nacional. Até pelo contrário, acredito que nos próximos decênios o papel regulador do Estado nacional nessas questões étnicas somente deverá aumentar na Europa unificada, pois estaremos cada vez mais envolvidos no remodelamento de nossos sistemas legais dentro dessa complexa estrutura federativa, e isso implicará uma engenharia legal que não pode prescindir do Estado nacional. A questão da definição da língua nacional dentro de uma esfera de jurisdição nacional será cada vez mais marcante também nesse novo contexto. E trata-se também de criar um novo espaço democrático transnacional e da integração social nos vários níveis políticos em que essa unidade será estabelecida, de modo que tenhamos uma interpenetração das esferas locais, regionais e supranacionais.
Todos nós teremos de aprender a viver nessa comunidade política multicultural, uma palavra pela qual tenho grande simpatia. Não chamaria essa nova forma de identidade de "personalidade cosmopolita", mas sim de "personalidade multicultural", pois seremos atores integrantes de diversas comunidades políticas simultâneas.
Para onde estão rumando as ciências sociais?
Elas apontam para várias direções. Por um lado, observa-se uma profissionalização cada vez maior, bem como uma enorme variedade de perspectivas empíricas, como nunca houve antes, baseada numa poderosa estatística que nos oferece a possibilidade de fazer prognósticos muito precisos. Mas, nesse sentido, as chances de uma unidade teórica entre filosofia e pesquisa, como se pensou no passado, é cada vez menor. Com a exceção dos trabalhos de Habermas, Pierre Bourdieu e Alain Touraine, poucas reflexões contemporâneas oferecem essa amplitude e busca de unidade entre teoria e práxis. Pessoalmente acredito que por meio das pressões do presente possamos estabelecer pretensões morais e emancipatórias para os atores sociais. É nisso que venho me empenhando.
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José Galisi Filho é doutorando em germanística na Universidade de Hanover (Alemanha).
Wednesday, 19 October 2011
Escola de Frankfurt A Nova Geração - Entrevista com Axel Honneth (Mais!)
Posted on 00:58 by Unknown
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