Thursday, 20 October 2011
Olhar Armado e Eros Tecnológico em Heiner Müller Drucksache N.F. 6
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O que empresta ao meu olhar esse vigor,
Que todos os senões lhe parecem pequenos
E as noites se transformam em sóis serenos,
Em vida a negação, em solidez o tremor?
O que a confusa teia do tempo a transpor,
Conduz-me certeiro às fontes perenes
Do belo, do vero, de bondades e acenos,
E lá afunda, e aniquila, do meu empenho a dor?
Já sei. Desde que, no olho de Urânia, acesa
Em quietude, pude eu mesmo interiormente
A clara, fina, pura flama observar;
Desde então, tal visão me habita em profundeza
E é no meu ser - eterna, unicamente;
Vive no meu viver, olhar no meu olhar.
Johann Gottlob Fichte (1.)
Quando vemos uma pomba voando, estamos longe de simplesmente ver. Desenhamos no espaço sua trajetória, armamos um espaço tridimensional para servir de suporte a esse desenho, adivinhamos o movimento das asas, a resistência do ar, e quase estamos vendo, como se tivéssemos olhar de raios x, o esqueleto da pomba. Ou não seria essa estrutura profunda algo mais superficial que a própria pomba, que encobre a pomba: talvez aquele quadro anatômico que vimos numa aula de biologia, no ginásio, e paira agora como um esquema diante de nós? Ou não seriam outra pombas ainda, que vimos outras vezes, no céu ou na tela do artista ou do cinema ou simplesmente na retina de nossa imaginação, atraídas pelo chamariz de um texto literário? Não seriam esses outros pássaros-fantasma, esquemáticos, vindos de outros textos, que estariam servindo de chaves de leitura, de códigos para lermos outro texto, que no começo parecia a simples percepção do vôo de uma pomba?
(2.)
O olho de Urânia
A intensidade do olhar de Urânia fixado por Fichte é o limiar de uma nova constelação de reflexividade instaurada pelo idealismo alemão e seu teatro filosófico. A emergência do ponto de vista transcendental introduzia em toda Darstellung (“representação”) a duplicação funcional do alfabeto da realidade, na qual, a partir de então, imbricam-se e dramatizam-se a virtualidade e a presença das figuras. Se o virtual é a possibilidade de experiência que se projeta para além dos limites do sensível como a priori, ele renega, por sua gênese temporal, o próprio corpo das palavras em que se soletra o texto do mundo, e aponta, como um gesto de despedida, para aquele território já colonizado no passado pelo fantasma da metafísica e cujas portas se fecham então, para sempre, na imanência de uma imaginação que não mais deixará de se expandir.
O que olha e é visto, resplandecendo incondicionalmente na demiurgia do Eu sem latitudes, revela dois vetores: o pensamento nasce da força centrífuga de sua atividade espontânea, e na crista de sua maré expansiva, encontra uma força centrípeta de choque como reflexão (“Entgegensetzung”); retornando eternamente sobre si, o pensamento engendra-se na reciprocidade de ambos os vetores no território vazio da imaginação livre, como um olhar genético em torno do qual toda Darstellung se exterioriza, lá, no nascedouro das significações, em torno da afasia da coisa em si - zona de sombra e horizonte negativo de toda significação-, desenhando desta forma os contornos da experiência pelo apagamento do sensível e impedindo a projeção destas mesmas significações-miragens no domínio do supra-sensível.
Se as categorias do entendimento kantiano são “vazias” quando se afastam dos objetos da experiência e somente fazem sentido como alfabeto e virtualidade para soletrar o real, sua potência reside justamente em “indicar” o sentido do texto do mundo como um limiar de visibilidade de toda a experiência. Deduzindo até as últimas conseqüências o emprego desta perspectiva inaugurada por Kant, Fichte potencializa, fluidifica e supera pela metástase deste olhar os termos de todo o dualismo no qual esta mesma metafísica se enredara - e ainda insiste em permanecer -, no intervalo entre o que é visto e o que vê, em movimento eterno, pois a luz desta significação pura não vê, mas sim o Espirito que ilumina a Letra.
Este olhar prospectivo, hipótese e limiar de toda discursividade, polariza todo material com a reflexividade que ilumina seu avesso, pois ele é, de fato, a semente de seu epos, ao desafiar a gravidade semântica de um código ainda atrelado à referencialidade residual dos objetos ilusórios da ciência dogmática, justamente por não poder ainda nomear este novo horizonte, do qual é prova a reelaboração exaustiva de A Doutrina da Ciência. Como se esta luminosidade pura calcinasse estes objetos, Deus, Alma e Mundo, sobram-nos apenas as cinzas destas figuras diante das quais insistimos. O olhar que desperta do sono dogmático não se configura na linearidade do discurso, não lhe é anterior ou exterior, mas fulgura entre as unidades discretas deste novo alfabeto, na convergência e superação de forma e conteúdo.
Mas seria necessário também reconhecer um “outro olhar” não menos inquietante, quase enlouquecido, que se desdobra da espiral reflexiva do olho de Urânia, um “momento de verdade, quando, no espelho, surge a imagem do inimigo”. Aquilo que “vive no meu viver e olha no meu olhar” introduz nesta dinâmica um princípio de não-identidade que o vigia e monitora em sua pura atividade, procurando extrair do “sangue das imagens” seu corpus absconditum. Sob a superfície da totalidade eletrônica de nosso sistema mundial, este olhar instantâneo revela, enfim, sua invisibilidade tática: tanto o idealismo alemão quanto a guerra pura como a aceleração total de seus vetores-lançadores alimentam-se da mesma hybris no ataque e extermínio do próprio fundamento da realidade através de um pensamento sem objetos (3.). Na virtualização do moderno teatro de guerra, esta qualidade ganha um novo sentido: no olhar-monitor nos bunkers dos Estados-Maiores, a matança sem corpos desenrola-se até a inércia temporal.
Olhar fenomenólogico
Foi a critica Genia Schulz a primeira a acentuar na sensibilidade lírica de Heiner Müller a tematização recorrente de um “olhar dissolvente” (4.) na paisagem “pós-dramática” dos “fragmentos sintéticos” durante os anos setenta. A intensividade formal e o impulso redutor parecem indicar um movimento centrípeto na escritura que dissolve a referencialidade cênica e sua perspectiva ocular central de signo cartesiano. Particularmente no tríptico da historia alemã, onde se busca uma síntese em chave genealógica do modelo de uma História pulsional, além daquele território colonizado pelo Esclarecimento, no qual se cristaliza a noção de sujeito autônomo, a potência analítica deste olhar incorpóreo hipertrofia-se até implicar o zênite da constelação do meio dia, grau zero do desenvolvimento histórico.
Mais sintomático ainda é a ênfase crescente de Müller, a partir deste ponto, na categoria do material como elo reflexivo e ponto de fuga da não-identidade fundamental entre sujeito e objeto no espaço interno da forma e no horizonte da tradição, especialmente em sua relação com Brecht (5.): a produtividade do material revela-se justamente no olhar prospectivo que, vencendo a inércia ontologizante desta traditio e a “intimidação pelos clássicos”, reaviva, no momento construtivo de cada obra do passado, aquele esboço que a precede, contudo, não desaparece em sua realização, como um gesto que se projeta sobre o devir.
Por sua vez, a constelação de reflexividade dessas Gedankenspiele como “material” em Müller é paralela, a uma crescente virtualização e desmaterialização da cena num movimento coerente que vai de Die Schlacht até Bildbeschreibung, quando se fecha conseqüentemente um ciclo formal. Este é o momento em que a máquina cênica de Müller ganha seu valor emblemático como plataforma e ponto de convergência das principais tradições cênicas do século, ao proclamar a impossibilidade do teatro como visão da totalidade negativa do mundo em sua hibernação dialética, uma latência como olhar para um “teatro do futuro” e de uma cena puramente virtual, na forma da incandescência do monólogo de Lessing em Gundling, consumido em efígie diante da beleza inútil de sua lírica, sob as ruínas do edifício teatral.
VOZ (+ PROJEÇÃO) HORA DA INCANDESCÊNCIA BÚFALOS MORTOS SAINDO DOS CANYONS CARDUMES DE TUBARÕES DENTES DE LUZ NEGRA OS CROCODILOS MEUS AMIGOS GRAMÁTICA DE TERREMOTOS CASAMENTO DO FOGO E ÁGUA HUMANOS DE NOVA CARNE LAUTRÉAMONTMALDOROR PRÍNCIPE DE ATLÂNTIDA FILHO DOS MORTOS. PROJEÇÃO: APOTEOSE DE ESPARTACO UM FRAGMENTO
Sobre o palco um monte de areia que cobre o busto. Ajudantes, vestidos de espectadores de teatro, despejam sacos e baldes de areia sobre o monte, enquanto garçons enchem a cena com bustos de poetas e pensadores. Lessing cava a areia, desenterra uma mão, um braço. Os garçons, agora com capacetes, colocam sobre Lessing um busto de Lessing que cobre seus ombros e a cabeça. Lessing, de joelhos, tenta inutilmente se livrar do busto. Ouve-se seu grito surdo de dentro do bronze. Aplauso dos garçons, dos ajudantes (espectadores) (6.)
Da possibilidade de olhar diretamente no “branco dos olhos da História” como fundamento da política surgiria, portanto, um novo limiar de visibilidade no zênite e meio-dia do firmamento; não obstante, como ponto extremo deste movimento, ela aponta necessariamente para o declínio (“Untergang”) de todo resíduo utópico das imagens no chão da experiência. Especialmente paradigmática e sempre retomada é a análise de Schulz do poema Bilder, interpretado em chave fenomenológica para além do interdito teológico da imagens da reconciliação (7.)
Imagens significam tudo em seu princípio. São sólidas. Espaçosas.
Mas os sonhos se precipitam, tornam-se forma e desilusão.
Já o céu, não o sustenta mais qualquer imagem. As nuvens, vistas
de um avião: um vapor que nos subtrai a vista. O grou nada mais
que um pássaro
Mesmo o comunismo, a imagem final, sempre rejuvenescida
ois sempre e sempre lavada pelo sangue, a vida de todos os dias
O paga em moeda miúda, sem brilho, desbotada
pelo suor
Escombros de grandiosos poemas como corpos há muito amados
E agora não mais necessários, no caminho desta espécie
de infinitas carências
No entrelinhas as queixas
sobre os ossos dos felizes carregadores de pedra
Pois a beleza significa o possível fim do espanto. (8.)
O poema desenha, em circuito reduzido, a imanência de um processo de secularização: a “substância” utópica das imagens, uma ilusão de perspectiva, é devorada e sedimentada pela práxis na opacidade do existente. O interdito à imagem da reconciliação depura a matéria artística, fazendo-a descer ao chão da experiência, na qual a arte nasce como privilégio que deve ser justificado. As imagens fecundam a realidade, produzem-na e a falsificam. Se a matéria-prima da lírica ingênua nutre-se desta imediaticidade, a produção da identidade é o aprendizado daquele olhar que, como em A Certeza Sensível, ignora a miragem de um “conteúdo” originário exterior. Essa secularização das imagens corresponde também a uma gradual historicização de seus conteúdos. Se as imagens significam (“bedeuten”) convencionalmente, nesta mesma tradição, uma realidade “pura” e “imediata” em seu início (“alles”), pouco a pouco, elas se tornam palpáveis e portadoras de significado (“geräumig”) ao desenvolver sua autonomia num tempo extenso.
“Ler” a realidade significaria, portanto, “soletrá-la” em seus fenômenos através de categorias, que existem desde já como uma tessitura que se arma e se desfaz às nossas mãos. Ela já é realidade desde sempre, por todos os textos que atualiza. Mas o poema aponta também, nesta remissão ao início da Fenomenologia, para o gesto indicativo que precede a denotação destes conteúdos já socializados: os dêiticos “isto” ou “aquilo” indicam um vetor que nos aponta para o objeto, para a tessitura já armada do real, cujo lugar, na verdade, é uma ausência como nexo arbitrário de significação, ou da ilusão de uma significação substancial dada na experiência sensível, sobre cuja superfície deslizamos. O "isto" de nossas designações, presente como uma virtualidade no poema de Müller, não pode ser imediato, mas mediado, como uma bruma que se superpõe ao olhar ingênuo, nas metáforas de nuvens e fumaça.
A blindagem do eu e Eros tecnológico
Se Bilder encerrava ainda uma promessa de secularização persuasiva, o olhar em Müller pouco a pouco perde esta inocência numa sinergia crescente com o maquinário como sua alteridade na projeção de um corpo sideral além da dor e das cicatrizes da prosa da História. A alta tecnologia não é apenas um “tema” da poética de Heiner Müller, mas a sua forma e seu horizonte. A desnaturalização do corpo e de suas extensões não deve permanecer exterior aos sentidos, mas antes pensada e entendida na enervação dos novos meios e na maneira pela qual estas novas tecnologias organizam-se num corpo coletivo e dele fazem seu suporte imaginário. Esta é a “Leib” (corporiedade habitado pela alma) do teatro mülleriano.
Em seu discurso fúnebre no Berliner Ensemble, em 16 de janeiro de 1996 (9.), o cineasta Alexandre Kluge referia-se à inclinação lírica da obra de Müller na apreensão da cifra de século: o “caráter blindado” (“Characterpanzer”) dos homens que emergem das trincheiras de Verdun, nas quais, na manhã de nosso século, soletrou-se a primeira sentença da novela de Kafka na metamorfose/blindagem da sensibilidade em duplo sentido: da batalha de material, naquela diferença entre densidade de fogo e manobra, sob as "tempestades de fogo", nasce uma nova “ingenuidade narrativa” descentrada e puramente exterior como o quixotismo de brutalidade da qual Jünger nos oferece o testemunho; porém esta blindagem conduz necessariamente a Auschwitz como prótese e armadura dos sentidos.
O teatro da guerra total de Heiner Müller, seria, portanto, o território avançado desta nova constelação da percepção estética, um domínio ainda sem nome, e cujo corpo é atravessado pelas linhas de força da batalha de material. Esta alteridade traduz-se na forma peculiar de um Eros tecnológico pela proliferação de olhares e na rubricação permanente da textura tecnológica das imagens e dos artefatos da economia cênica, que não se deixam traduzir na escala do corpo individual dos atores (10). Walter Benjamin já observara que a máquina capta por sua objetiva a imagens do corpo vivo, mas ela não devolve o olhar humano em sua opacidade (11.). É deste olhar nunca devolvido que fala muitas vezes a cena de Müller ao qual se aponta um outro olhar armado.
Se nos últimos duzentos anos a colonização do mundo natural pela indústria refluiu no imaginário na forma de fantasmas românticos, na nostalgia de um espaço marginal à civilização à medida em que este cerco se fechava, hoje, esta orientação retrospectiva e expressiva com o universo tecnológico revela-se um obstáculo a um futuro que somente é pensável num matrimônio entre homem e máquina, entre orgânico e inorgânico. Mas em lugar da exaltação do maquinário clássico como suporte metafórico e utópico das energias do corpo social - que já incendiara a fantasia artística das vanguardas históricas à esquerda e à direita, fosse na expectativa de uma convergência entre revolução social e horizonte técnico, ou como a distopia na batalha de material, na qual estas energias apresentam-se como “forças elementares” de qualidade metafísica, quando as máquinas da Era do Vapor e da Eletricidade ainda dispunham de um potencial mimético, quase totêmico, para dar forma a estes fluxos,- Müller dramatiza um outro estágio relacional da cena, no qual as novas tecnologias de reprodução, referidas agora à hegemonia da esfera simbólica, ganharam contornos lábeis e não são mais portadoras de uma capacidade de figuração global do sistema. Da dissolução e ampliação do próprio conceito de “natureza”, surge em Müller, portanto, uma nova produtividade como antídoto a toda pasmaceira ecológica, pois o metabolismo humano é necessariamente predatório e negativo, inscrevendo-se no olhar geometrizante e convergente de nossa espécie a partir do qual o espaço multiplica-se em várias dimensões virtuais. Poucos textos do repertório contemporâneo avançaram tanto na exploração deste novo domínio ampliado de natureza como as oito páginas de Bildbeschreibung.
Bildbeschreibung conduz a mise-en-scène da perspectiva a seu limite referencial na segmentação da continuidade espaço-temporal, revertendo sobre as categorias dialéticas o próprio princípio da identidade que lhe é subjacente; privado de uma referência estável a seus objetos, que se transmutam aleatoriamente, o sujeito sucumbe a seu rápido deslocamento. O texto busca delinear desta forma um "horizonte negativo" como o avesso de uma "paisagem" imaginária na qual o olhar do observador é permanentemente vigiado e nunca coincide com o foco da leitura. Bildbeschreibung abre-se por um “zênite descritivo”, a partir do qual desencadeiam-se todas as metamorfoses subsequentes que lhe conferem um patamar narrativo. O olhar da subjetividade que se constitui deve afastar inicialmente a imobilidade mítica que o contorna. Müller busca flagrar justamente o grau zero desta constituição como um instante de não-identidade, do qual emergirá um outro olhar, este sim, portador de sentido. O pathos dessa utopia não é o distanciamento da contemplação serena, mas a dramatização de "dois olhares em guerra", como observa Hans Thies-Lehmann (12.): o olhar absoluto, e o olhar que a ele se contrapõe para conhecer o "reverso" dos fenômenos:
pode-se concluir que o sol, ou seja o que for que lança uma luz sobre esse lugar, no momento da imagem está no zênite, pode ser que O SOL esteja lá sempre e NA ETERNIDADE: que ele se movimente, não se pode provar pela imagem, as nuvens também, se é que são nuvens, flutuam talvez no lugar, o esqueleto de arame sua armação numa tabuleta azul manchada com a tirânica inscrição CÉU (13.)*(grifos do Autor)
O primeiro olhar sem nuanças, na forma da luz branca na eternidade, é aquele que paralisa ("matar as cores") o horizonte: o olhar da repetição é também o reflexo das imagens de violência em Shakespeare como "eterno retorno". O olhar mítico contempla a imagem na extremidade superior desta paisagem “além da morte”. Em sua fixidez, ele esterilizara qualquer forma fecundante de sentido no devir, ao qual nenhum outro poderá contrapor-se. Esta paisagem torna-se apenas “legível” quando irrompe, de sua extremidade inferior, um outro olhar: no intervalo entre ambos, entre o que vê e aquilo que se sê sendo visto num movimento eterno, inicia-se uma seqüência de metásteses significativas. Este processo desenrola-se numa "invisível invisibilidade", prossegue Lehmann. Como o olhar de Urânia, a estranheza que nasce do espelhamento deste logos prolifera-se em outras figuras. Este outro olhar que está em guerra contra a imobilidade do zênite descritivo, liberaria a presença eterna e fechada da imagem, plena de si mesma como imediaticidade pura, até que intervenha uma “outra leitura” que faz implodir a sua moldura, liberando a temporalidade nas metamorfoses que se seguem. A poética de Müller revela-se, assim, uma hermenêutica da imagem: "Interessam-me as imprecisões nos textos antigos", comenta a propósito de sua adaptação de Prometheus. “É doce habitar lá onde moram os pensamentos longe de tudo”, conclui Müller, retificando o verso do Édipo, de Hölderlin. Diante da colonização progressiva da imaginação pelos mídias, intensifica-se o obscurecimento (“Verblendung) do qual resulta uma cegueira pela intransitividade da realidade como movimento permanente de Capital:
Filme em negro
O visível
Pode ser fotografado
OH PARAÍSO DA CEGUEIRA
O que ainda se ouve é conserva
TAPES OS OUVIDOS FILHO
Os sentimentos são de ontem
nada de novo é pensado O mundo
Escapa à descrição
Tudo que é humano
torna-se estranho (14.)
O resultado deste apagamento do horizonte sensível é a elipse absoluta do eu lírico. O gesto deste poema, já no fim de sua vida, parece apontar para o epílogo da prosa negra da Dialética do Esclarecimento:
Se o discurso pode se dirigir a alguém hoje, não é nem às massas, nem ao indivíduo, que é impotente, mas antes a uma testemunha imaginária, a quem o entregamos para que ele não desapareça totalmente conosco. (15)
Na máquina publicitária moderna, a própria ficção numérica assume a eloqüência de objetividade. Somente o capital pode ser "sujeito" da paisagem. O eu lírico, que se subtrai à própria descrição e se anula como mitologia, decreta a ficção do diálogo, pois, se existem testemunhas, elas somente podem ser imaginárias, um delírio estatistico. A autoreferencialidade desta engrenagem não é senão o autismo do capital escarnecendo do humano.
O resto não dissimulado
Mesmo, viveu em tempos escuros.
Os tempos clarearam.
Os tempos escureceram.
Quando a claridade diz, eu sou a escuridão
Disse a verdade
Quando a escuridão diz, eu sou
A claridade, não mente (16.)
Se a própria relação com o Esclarecimento teatral em Brecht parece envolver as extremidades de um projeto literário tensionado no confronto entre claridade e zonas de sombra produzidas pelo movimento interno do próprio material, o olhar de Heiner Müller procura deduzir desta dinâmica uma nova ordem de grandeza. O circunstante inicial (“wirklich”) parece pressupor um gesto enfático, quase didático; de fato, seria preciso reconhecer a opacidade do “capítulo incandescente” do Reich de Mil anos como a consumação da trajetória colonial do Esclarecimento europeu, realizando a “Grande Verdade” das relações produtivas, um relógio que o fascismo empenha-se em adiantar e sobre o qual, no exílio, Brecht procurava elaborar uma "síntese" que, ironicamente, racionalizava o horror e o excluía do próprio território de verossimilhança artística de seu material, na opção pela forma parábola. Por outro lado, ao problematizar o teatro, Brecht colocou-se na situação paradoxal de desempenhar a teoria e de elevá-la a uma dimensão ficcional.
Mas o “espelho” de Brecht não é o mesmo dos partidários do reflexo e não decalca a realidade, mas a reconstrói, evidenciando e refuncionalizando o caráter técnico/arqueológico das imagens. Nesta ótica, dificilmente poderíamos falar de espelho, ou mesmo numa continuidade orgânica e naturalista entre a realidade e aquilo que é formado no material, embora a imagem de um espelho retrovisor não seria inadequada no sentido prospectivo que Brecht atribuía à tradição e à pedagogia que lhe é imanente, inscrevendo a legibilidade de seu projeto numa totalidade operante que se produz e se nega nos modelos produtivos que forja.
O par claridade e opacidade, contudo, não compõe apenas uma polaridade linear. No domínio da necessidade e da causalidade mecânica são antípodas e definem-se pela exclusão recíproca. A vocação expansiva da obra estende seus predicados ao sujeito que se naturaliza. Mas a estrutura narrativa desta parábola mimetiza e subverte esta distância esclarecida, naturalizando estes atributos na causalidade cega do movimento até que uma nova reflexividade determine uma revolução copernicana da cena. O gesto soberano do primeiro verso parecia implicar uma divisão nítida do mundo entre “nós” e “eles”, ainda presente em Furcht und Elend, cujo triunfo como “Erfolg” (êxito) deriva, mais uma ironia objetiva, de seu naturalismo, entre aqueles investidos na certeza histórica, sob a linha virtual que permeia seu tecido cênico, ainda capazes de reconhecer entre as forças racionais e irracionais no processo histórico.
Quando personalizadas, porém, estas duas ordens de grandeza naturais somente podem definir-se de modo mediado pelo discurso: uma deverá afirmar-se através do outra sem anulá-la. É através desta prosa dos elementos que a temporalidade torna-se histórica e constitutiva. O intervalo entre ambas não é vazio e a oscilação entre estes versos é indicativa da impossibilidade mesma em se fixar o que permanece em movimento permanente e não se permite capturar por categorias anacrônicas, cifrando uma forma de universalidade que se afirma e subtrai à sua própria imediaticidade e contingência. Ou por outra, da orquestração destes elementos surgirá um limiar que abrange simultaneamente os dois campos que é, por definição, o terreno onde não cabe juízo teleológico, anônimo como os últimos versos de Der Horatier, um resto anônimo que permanecerá para sempre além do horizonte.
Alternando dois campos de visão, o perfil de Müller visa à refração produzida na fronteira entre ambos, à “inundação” do presente pela “maré” da força ontologizante da traditio e pela avaliação das ilusões necessárias, no caso de Brecht, motivadas por razões estratégicas no plano ideológico, contaminando sua própria eficácia (“Wirkung”). É justamente desta proximidade máxima com o epicentro do projeto brechtiano que se produz uma diferenciação e continuidade como pouco se observou na arte moderna.
A Pátria e o Corpo das Palavras
Encorajado por uma tal demonstração da potência da razão (encontrada na matemática), o impulso de ampliamento não vê limites. A leve pomba, quando em livre vôo fende o ar, cuja resistência ela sente, poderia formar-se a representação de que no vácuo ela teria melhor êxito. Assim abandonou Platão o mundo dos sentidos, porque este põe limites muito estreitos ao entendimento, e se aventurou para além deles, sobre as asas das idéias, no espaço vazio do entendimento puro (17.)
Motivo em A.S.
Debuisson na Jamaica
Entre peitos negros
Em Paris Robespierre
Com o queixo partido.
Ou Joana d'Arc quando o anjo não apareceu
No fim os anjos nunca aparecem
DANTON MONTE DE CARNE NÃO PODE DAR À RUA CARNE
VEDE VEDE AFINAL A CARNE NA RUA
CAÇA AO VEADO NOS SAPATOS AMARELOS
Cristo. O diabo mostra-lhe as riquezas do mundo
RENEGA A CRUZ E TUDO SERÁ TEU
Em tempo de traição
São belas as paisagens (1961) (18.)
Em seu monólogo final em Der Auftrag, a personagem Debuisson afirma que a poesia é a “linguagem da inutilidade”, pois a História - da qual se distancia -, "sempre atinge a linha de chegada sobre corcéis mortos". Em um tempo de restauração, a própria beleza parece se exilar naquele continente remoto sem paráfrase, para o qual partirá num navio-fantasma, fracassada a missão do Diretório na Jamaica, depois do 18 Brumário. Para o médico jacobino, o parto revolucionário fora um natimorto, como a luz errante de estrelas já extintas. "No tempo da traição, as paisagens são belas" anotava Müller ironicamente em 1961, pois os anjos não costumam aparecer nestas ocasiões.
Somente no instante da peripécia para a farsa, Debuisson perceberá finalmente o quanto a ilha era bela, e neste limiar de sublime, entre o histórico e o que escapa à tessitura de sua prosa, entrega-se num mergulho em direção ao pólo. Na geometria interna do texto, este movimento obedece a um sentido horizontal, num afrouxamento do devir como diferença, cristalizando-se em paisagem sem legibilidade.
O monólogo Der Mann im Fahrstuhl, no epicentro de Der Auftrag, é quase uma ilha à deriva na obra de Müller, e indica de fato um deslocamento vertical que se opõe ao movimento anterior: a reversibilidade entre tempo e espaço instaurada pelo monólogo inverte o sentido da escolha de Debuisson pela “Beleza” e seu exílio; se Debuisson afasta-se horizontalmente, no emudecimento progressivo da natureza, a aceleração temporal centrífuga do elevador desafia, na primeira parte, a própria gravidade e estabelece uma zona de inércia temporal. O mergulho é uma implosão seqüencial; a própria sintaxe acelerada e ofegante da fala acompanha este enlouquecimento do relógio de pulso até que a porta se abra e, então, já nos primeiros passos da personagem pela aldeia peruana, desacelera-se o fluxo do texto e uma nova respiração se instaura. Este é um dos instantes mais luminosos da dramaturgia de Heiner Müller. É possível quase sentir no ponto final que encerra a descida - e a também a longa frase, quando a porta/labirinto deste elevador se abre -, a liberação de uma nova energia, que se traduz na personagem como um suspiro profundo e compaixão.
Como observa com extrema precisão o critico português José Bragança de Miranda (19.), o núcleo de força do qual se origina este movimento contém uma “promessa histórica” que não pode cumprir-se na imanência deste processo e está além da capacidade regenerativa das continuidades de superfície e a obra de Heiner Müller indicaria desta forma uma “resistência” contra a gravidade física do movimento. E da chama e do desejo desta História consumida restem-nos apenas suas “cinzas”, eu diria, o fantasma da racionalidade que se inscreve em seu projeto como uma ilusão necessária que, de fato, Debuisson nunca traiu: “a Paz. os Negócios, o Mercado, o Mundo” sãos os vestígios desta implosão. Para o jacobino Debuisson, uma escolha existencial na forma do "céu da beleza", "máscara da traição”, rubro e úmido como gozo arcaico. Mas a chave deste texto secreto, confidenciado pelo “Número Um”, sua superdeterminação sentida como ausência, enfim, a legibilidade da Missão são a chave de latão das parábolas de Kafka, diante das quais insistimos inutilmente, ou, nas palavras de Müller, esta inércia do movimento, de fato, da luminosidade e do desejo que o alimentam, surge a impossibilidade crescente do real como um olhar de despedida do amanhã. Se a arte é tributária dos sentidos, ela lida com aquilo que é real apenas uma única vez, para então tornar-se eternamente possível e virtual. Pois é o corpo e a materialidade desta História que desaparecem sem vestígios, desenhando sua virtualidade naquele outro território interdito que o olhar de Urânia buscava iluminar. É preciso também eliminar qualquer metafísica sobre Heiner Müller e se perguntar o que significa esta “diferença”, este “outro”, que é de fato o mesmo, produto necessário da mesma matriz lógica, do mesmo entendimento, das mesmas categorias, pois no caminho do antípoda, há ainda este resíduo ilusório na forma de uma locomotiva desterrada de uma paisagem De Chrico, de uma funcionalidade linear da primeira industrialização. Como em Hölderlin, sem o corpo das palavras, esta capacidade de decifração de nossa experiência perdeu-se na História, está sempre aquém, nunca além desta, e somente nela poderia ser recuperada.
A intensidade estrelada de Der Auftrag, quase um sentimento de orfandade, decorre de um "fading" luminoso da grande Revolução Solar, o zênite republicano da História, epílogo de suas paixões, prolongando-se até o presente como pura negatividade. O texto esquecido desta História nos meandros da memória que a alimenta é a motricidade vazia da fênix imaginária de Kant no solo do transcendental e suas significações, mas sua potência de posse não alcança preenchimento, é preciso renunciar à ilusão deste vôo, como Debuisson “renuncia” ao seu “mandato”. Debuisson e a personagem do monólogo são dois momentos distintos da mesma renúncia a este mandato fantasma, um prefigura o outro e o encontro entre ambos, a entrega na forma do desnudamento progressivo, terno, gravata, e casaco é o nascimento de um novo corpo:
Um a espécie de alegria se apodera de mim, penduro o casaco no braço e desabotôo a camisa: estou dando um passeio. Na minha frente, o cachorro atravessa a rua, uma mão no focinho, os dedos voltados para mim e parecem queimados. Jovens cruzam o meu caminho com um ar de ameaça que não me diz respeito. Lá onde a rua se perde na planície, numa atitude que parece de alguém que está esperando por mim, está uma mulher. Estendo os meus braços para ela, há quanto tempo eles não tocam em mulher, e ouço uma voz de homem dizer ESTA MULHER É A MULHER DE UM HOMEM. O tom é definitivo e continuo o meu caminho. Ao me voltar, a mulher estende os braços em minha direção e desnuda os seios. Sobre um aterro ferroviário recoberto pelo capim, dois meninos estão mexendo numa mistura de máquina a vapor com locomotiva que está parada sobre um trilho interrompido. Como europeu, vejo à primeira vista que é um esforço inútil: este veículo não vai se mexer, mas não digo nada às crianças, o trabalho é a esperança, e continuo meu caminho na paisagem que não tem outra tarefa senão o desaparecimento do homem. Agora sei qual é o meu destino. Tiro a minha roupa e jogo fora longe, as aparências não importam mais. Algum dia O OUTRO virá ao meu encontro, o antípoda, o sósia com meu rosto de neve um de nós sobreviverá. (20.)
Diante da locomotiva coberta pela grama numa paisagem agreste, num ponto zero, em que a realidade transforma-se no que já é, no futuro do passado, algo como a compaixão renasce deste encontro inesperado, na suspensão do texto, no roteiro esquecido de uma tarefa que se liberta, e, de sua vaga lembrança, talvez a cartilha revolucionária jacobina no Caribe, seja ainda pertinente formular uma hipótese, fora da linearidade deste devir, como se tivéssemos o direito de formulá-la à margem. Em que trilha estávamos? Qual era a tarefa que se impunha, em que arquivo aquele roteiro se extraviou? O espelho do antípoda não nos devolve nosso reflexo, mas apenas o "branco dos olhos" sem pupilas, como observa o narrador. O texto de Müller busca ser a formulação hipotética deste outro movimento virtual, cuja significação não é dada no sensível, antes, representa seu apagamento. Nesta aproximação máxima, que é estranheza, o conflito não se resolve, nem tampouco o combate é travado até o fim, mas suspenso, e assim prefigura o renascimento da esperança.
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Originais, em alemão, no corpo do texto principal:
Was meinem Auge diese Kraft gegeben,
Dass alle Misgestalt ihm ist zerronnen,
Dass ihm die Nächte werden heitere Sonnen,
Unordnung Ordnung, und Verwesung Leben?
Was durch der Zeit, des Raums verworr'nes Weben
Mich sicher leitet hin zum ew'gen Bronnen
Des Schönen, Wahren, Guten und den Wonnen,
Und drin vernichtend eintaucht all' mein Streben?
Das ist's. Seit in Urania's Aug', die tiefe
Sich selber klare, blaue, stille, reine
Lichtflamm', ich selber still hineingesehen;
Seitdem ruht dieses Aug' mir in der Tiefe
Und ist in meinem Seyn, - das ewig Eine,
Lebt mir im Leben, sieht in meinem Sehen. (21.)
STIMME (+ PROJEKTION)
STUNDE DER WEISSGLUT TOTE BÜFFEL, AUS DEN CANYONS GESCHWADER VON HAIEN ZAHNE AUS SCHWARZEM LICHT DIE ALLIGATOREN MEINE FREUNDE GRAMMATIK DER ERDBEBEN HOCHZEIT VON FEUER UND WASSER MENSCHEN AUS NEUEM FLEISCH LAUTREAMONTMALDOROR FÜRST VON ATLANTIS SOHN DER TOTEN
PROJEKTION
APOTHEOSE SPARTAKUS EIN FRAGMENT
Auf der Bühne ein Sandhaufen, der einen Torso bedeckt. Bühnenarbeiter, die als Theaterbesucher kostümiert sind, schütten aus Eimern und Säcken Sand auf den Haufen, während gleichzeitig Kellner die Bühne mit Büsten von Dichtern und Denkern vollstellen. Lessing wühlt im Sand, gräbt eine Hand aus, einen Arm. Die Kellner, nun in Schutzhelmen, verpassen Lessing eine Lessingbüste, die Kopf und Schultern bedeckt. Lessing, auf den Knien ,macht vergebliche Versuche, sich von der Büste zu befreien. Man hört aus der Bronze seinen dumpfen Schrei. Applaus von Kellnern Bühnenarbeitern (Theaterbesuchern) (22.)
Bilder
Bilder bedeuten alles im Anfang. Sind haltbar. Geräumig.
Aber die Träume gerinnen, werden Gestalt und Enttäuschung.
Schon den Himmel hält kein Bild mehr. Die Wolke, vom Flugzeug
Aus: ein Dampf der die Sicht nimmt. Der Kranich nur noch
ein Vogel.
Der Kommunismus sogar, das Enbild, das immer erfrischte
Weil mit Blut gewaschen wieder und wieder, der Alltag
Zahlt ihn aus mit kleiner Münze, unglänzend, von Schweiss
blind
Trümmer die grossen Gedichte, wie Leiber, lange geliebt und
Nicht mehr gebraucht jetzt, am Weg der vielbrauchenden
endlichen Gattung
Zwischen den Zeilen Gejammer
auf Knochen der Steinträger glücklich
Denn das Schöne bedeutet das mögliche Ende der Schrecken. (23.)
kann geschlossen werden, daß die Sonne, oder was immer Licht auf diese Gegend wirft, im Augenblick des Bildes im Zenith steht, vielleicht steht DIE SONNE dort immer und IN EWIGKEIT- daß sie sich bewegt, ist aus dem Bild nicht zu beweisen, auch die Wolken, wenn es Wolken sind, schwimmen vielleicht auf der Stelle, das Drahtskelett ihre Befestigung an einem fleckig blauen Brett mit der willkürlichen Bezeichnung HIMMEL (24.)
SCHWARZFILM
Das Sichtbare
Kann fotografiert werden
0 PARADIES
DER BLINDHEIT
Was noch gehört wird
Ist Konserve
VERSTOPF DEINE OHREN SOHN
Die Gefühle
Sind von gestern Gedacht wird
Nichts Neues Die Welt
Entzieht sich der Beschreibung
Alles Menschliche
Wird fremd (25.)
Wenn die Rede heute an einen sich wenden kann, so sind es weder die sogenannten Massen, noch der Einzelne, der ohnmächtig ist, sondern eher ein eingebildeter Zeuge, dem wie es hinterlassen, damit es doch nicht ganz mit uns untergeht (26.)
Brecht
Wirklich, er lebte im finsteren Zeiten.
Die Zeiten sind heller geworden.
Die Zeiten sind finsterer geworden
Wenn die helle sagt, ich bin die Finsternis
Hat sie die Wahrheit gesagt.
Wenn die Finsternis sagt, ich bin
Die Helle, lügt sie nicht (27.)
Durch einen solchen Beweis von der Macht der Vernunft eingenommen, sieht der Trieb zur Erweiterung keine Grenzen. Die leichte Taube, indem sie im freien Fluge die Luft theilt, deren Widerstand sie fühlt, könnte die Vorstellung fassen, daß es ihr im luftleeren Raum noch viel //B9// besser gelingen werde. Eben so verließ Plato die Sinnenwelt, weil sie dem Verstande so enge Schranken setzt, und wagte sich jenseit derselben auf den Flügeln der Ideen in den leeren Raum des reinen Verstandes. (28.)
MOTIV BEI A. S.
Debuisson auf Jamaika
Zwischen schwarzen Brüsten
In Paris Robespierre
Mit zerbrochenem Kinn.
Oder Jeanne d'Arc als der Engel ausblieb
Immer bleiben die Engel aus am Ende
FLEISCHBERG DANTON KANN DER STRASSE KEIN FLEISCH GEBEN
SEHT SEHT DOCH DAS FLEISCH AUF DER STRASSE
JAGD AUF DAS ROTWILD IN DEN GELBEN SCHUHEN.
Christus. Der Teufel zeigt ihm die Reiche der Welt
WIRF DAS KREUZ AB UND ALLES IST DEIN.
In der Zeit des Verrats
Sind die Landschaften schön.
(29.)
Etwas wie Herterkeit breitet sich in mir aus, ich nehme die Jacke über den Arm und knöpfe das Hemd auf: mein Gang ist ein Spaziergang. Vor mir läuft der Hund über die Straße, eine Hand quer in der Scfinauze, die Finger sind mir zugekehrt, sie schon verbrannt aus. Mit einer Drohung, die nicht mich meint, kreuzen junge Männer meinen Weg. Wo die Straße in die Ebene ausläuft, steht in einer Haltung, als ob sie auf mich gewartet hat, eine Frau. Ich strecke die Arme nach ihr aus, wie lange haben wir keine Frau berührt, und höre eine Männerstimme sagen DIESE FRAU IST DIE FRAU EINES MANNES. Der Ton ist endgültig und ich gehe weiter. Als ich mich umsehe, streckt die Frau die Arme nach mir aus und entblößt ihre Brüste. Auf einem grasüberwachsenen Bahndamm basteln zwei Knaben an einer Kreuzung aus Dampfmasrhine und Lokomotive herum, die auf einem abgebrochenen Gleis steht. Ich Europäer sehe mit dem ersten Blick, daß ihre Mühe verloren ist: dieses Fahrzeug wird sich nicht bewegen, aber ich sage es den Kindern nicht, Arbeit ist Hoffnung, und gehe weiter in die Landschaft, die keine andre Arbeit hat als auf das Verschwinden des Menschen zu warten. Ich weiß jetzt meine Bestiminung. Ich werfe meine Kleider ab, auf das Äußere kommt es nicht mehr an. Irgendwann wird DER ANDERE mir entgegenkommen, der Antipode, der Doppelgänger mit meinem Gesicht aus Schnee. Einer von uns wird überleben. (30.)
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NOTAS
1. Tradução de Paulo Cezar Souza, Folhetim no. 593. In: “Folha de São Paulo” de 27.05.1988.
2. Rubens Rodrigues Torres Filho. A virtus dormitiva de Kant. In: “Ensaios de Filosofia Ilustrada”. Brasiliense, São Paulo, 1987, p. 25-6.
3. Este parentesco é um dos eixos recorrentes na reflexão de Müller. Adorno observa, por exemplo, em sua Minima Moralia ("Gesammelte Schriften", v.4. Suhrkamp, Frankfurt-M, p. 97-98) que sob a sentenciosidade do kantiano Schiller esconde-se aquele moço interiorano e insolente que sempre está pouco à vontade na boa sociedade. O esquematismo não é só notória fraqueza literária, mas mimetiza, em sua pretensão totalizante, uma brutalidade contra o pormenor e, por extensão, contra os mais fracos. Esquemas conceituais de grande latitude tendem à inflexibilidade: o espírito absoluto exigiria o horror absoluto como seu sublime, uma habilidade que, no caso alemão, não se exercitava nas Academias, mas nas cervejarias e seria produto da imitação dos franceses. Não é à toa que o desejo de deduzir o mundo através da linguagem lembraria em Schiller antes a tentativa de usurpar o poder que a resistência a ele. De fato, foi de salteadores que Schiller mais se ocupou. Naquilo que é a sensível cápsula de humanismo, em sua imitação forjada do natural, ruge a alma da besta que sonha transformar o mundo inteiro em prisão. Quanto mais abstratos os esquemas, mais vulneráveis são à crueza sexual. A "pura ação" deste olhar em Fichte, herdeira da constelação do imperativo categórico, anteciparia, em sua fixidez, o estupro transcendental que a o Estado fascista irá impor à Europa, com a rapinagem de tesouros e na destruição (redução ao "essencial") de milhões de corpos sob a égide do desprezo, da eficiência e de um amor aos grandes números. Em Gundling, como já observou o crítico Frank Raddatz em sua dissertação (RADDATZ, Frank-Michael. "Dämonen unterm Roten Stern. Zur Geschichtsphilosophie und Ästhetik Heiner Müllers". Sttutgart, Metzler, 1991, p.99) inscreve-se uma “história do corpo na Prússia”. Já Florian Vaßen (VASSEN, Florian. Der Tod des Körpers in der Geschichte. In: “Heiner Müller Text + Kritik”, München, 1982, p. 45-57) fornecia a Heiner Müller um argumento de valor programático em sua cena tardia: “Ein Kritiker hat in meinen letzten Stücken einen Angriff auf die Geschichte gesehen, auf das lineare Konzept von Geschichte. Er las in ihnen die Rebellion des Körpers gegen Ideen, oder genauer: gegen die Wirkung von Ideen, von der Idee der Geschichte, auf menschliche Körper Das ist in der Tat mein Punkt im Theater. Körper und ihr Konflikt mit Ideen werden auf die Bühne geworfen. Solang es Ideen gibt, gibt es Wunden, Ideen bringen de Körpern Wunden bei”. “Um crítico viu em minhas últimas peças um ataque à História, uma crítica à concepção linear de História. Ele lia nelas a rebelião do corpo contra as idéias, ou, mais precisamente, contra o impacto das idéias, notadamente da idéia de história sobre os corpos humanos. É com efeito aquilo a que viso em meu teatro, arremassar sobre a cena corpos em confronto às idéias. Enquanto houver idéias, haverá feridas. As idéias infligem feridas aos corpos” (MÜLLER, Heiner. "Gesammelte Irrtümer", Verlag der Autoren, Frankfurt/M, 1991, p. 96-7).
4. SCHULZ, Genia. "Der zerstsetze Blick. Sehzwang und Blendung bei Heiner Müller". In: “Heiner Müller Material”. Aufbau, Leipzig, 1985, p. 165.
5. Fatzer+-Keuner. Ibidem, p. 30.
6. GALISI FILHO, José. "A constelação do zênite: imaginação histórica e utópica em Heiner Müller anos setenta e oitenta". Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos das Linguagem, Unicamp, 1995, p. 219.
7. SCHULZ, Genia. Heiner Müller. Metzler, Stuttgart, 1980, p. 169-172.
8. MÜLLER, Heiner. "Um poeta nas trincheiras: primeiro volume das obras completas de Heiner Müller reúne lírica do diretor alemão". Tradução de José Galisi Filho. In: “Folha de São Paulo”, 21.06.1998.
9. KLUGE, Alexander. "Es ist ein Irrtum, daß die Toten tot sind". In: “Kalkfell für Heiner Müller. Ein Arbeitsbuch”. Theater der Zeit, Berlin, 1996, p. 145.
10. Heiner Goebbels traduz este descompasso em sua recente encenação francesa de a "Hydra" no Teatro Bobigny de Paris. Os atores deveriam contracenar com um objeto cênico aparentemente incomensurável na forma de um cone metalico invertido de 15 m. A tarefa de direção exige como desempenho vencer esta “ilusão” de escalas e refazer a economia cênica como domínio da Hydra que se move sob os pés.
11. BENJAMIN, Walter. "Gesammelte Werke". Surhkamp, Frankfurt/M, Bd. I, p. 646.
12. THIES-LEHMANN, Hans. "Theater der Blicke". In: “Dramatik der DDR”. Suhrkamp, FrankfurtM, 1987, p. 191.
13. MÜLLER, Heiner. In: "Medeamaterial e outros textos". (Tradução Christine Roehrig e Marcos Renaux). São Paulo, Paz e Terra, 1993, p. 75. 1993, 153-4.
14. Tradução do Autor.
15. ADORNO, Theodor/HORKHEIMER, Max. "A Dialética do Esclarecimento". Tradução de Guido Antonio de Almeida. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985, p. 238-9.
16. MÜLLER, Heiner. In: "Medeamaterial e outros textos". (Tradução Christine Roehrig e Marcos Renaux). São Paulo, Paz e Terra, 1993, p. 75.
17. KANT, "Kritik der reinen Vernunft", A 4-5, B 8. In: “Kant im Kontext. Werke auf CD ROM”.
18. BARRENTO, João (org.). "A Missão e outras peças". Tradução e posfácio de Anabela Mendes. Lisboa, Ápaginastantas, 1982, p. 54.
19. "Heiner Müller. Do poder da poesia" Ouvi recentemente o registo em CD da peça de Heiner Müller - Der Mann im Fahrstuhl. Aqui, como noutros textos de Müller, impressionou-me a maneira como reflecte sobre o poder, e acima de tudo sobre o seu fracasso irremediável. O poder contém uma promessa histórica que não pode cumprir. Não se trata de tragédia, claro, mas de desencantada ironia, que se alimenta ainda tal promessa. Em si mesma essa promessa é vazia, o que tem a ver com a natureza do poder: a capacidade de realizar, seja o que for, que seja possível mais o fascínio por realizar o impossível. Toda a obra de Müller tem a ver com a impossibilidade de realizar através de um movimento físico. A capacidade de realização perdeu-se na história e só nela pode ser recuperada. Sucede que também a história se perdeu nos escaninhos da memória que a alimenta. O herói, ao serviço do Poder, enquanto este ainda tem sentido, aceita finalmente perder-se, entregar-se à história que já não é certo que possa haver. Para isso tem de apagar cuidadosamente os seus traços de herói-burocrata, de servidor de algo acima dele. Despe-se, finalmente, depois de ter escondido a gravata e tirado o casaco. Nesse ponto encontra-se com o seu outro: outra vez ele, de face branca. Todo o desespero de Müller está aí: se morto para a história, então morto em vida, numa finitude sem remissão. Ora, a nudez do herói deixa-o como simples homem, sem ilusões sobre a possibilidade de ser proprietário da história. O herói liberta-se do Senhor, do Chefe (a que chama o Número Um), e a história livra-se de ambos, do Mestre e do Escravo. Resta apenas uma certa esperança. Não restará uma compaixão pelos que ainda têm história por parte daqueles que a falharam? África, China, Brasil. Como Müller está a anos luz das pobres teses sobre o fim da história. Hoje esta está perdida num arquivo qualquer junto de outros dados, tão inumeráveis, que não a reconheceríamos mesmo que a encontrássemos. Só que o arquivo, para Müller, é o mundo. Por quê? Porque tudo o que poderia ser ficou suspenso de uma história que não se cumpriu, e o que resta do fogo da história são as suas cinzas: Estado, dinheiro, polícia. Mas também técnica, que se torna incompreensível quando a história fica em suspenso. A certo momento, na peça, o relógio do burocrata parece enlouquecido, incapaz de medir o tempo do mundo e o tempo da história, explodindo coma física. Dessa explosão a poesia é culpada, reconhece Müller. Toda a loucura está na poesia. Mas a poesia é uma culpada feliz: a sua maneira de enlouquecer o mundo pode salvá-lo de si mesmo. JBM (23 de Agosto de 1996) http://ubista.ubi.pt/~miranda/Jbmreflections.html.
20. MÜLLER, Heiner. "Quatro textos para teatro: Mauser, Hamlet-máquina, A Missão, Quarteto". (Tradução de Fernando Peixoto). São Paulo, Hucitec, 1987, p. 50.
21. Fichte im Kontext. Werke auf CD ROM. Karsten Worm, InfoSoftWare, Berlin, 1997.
22. MÜLLER, Heiner. "Herzstück". Rotbuch, Berlin, 1989, p. 36-7.
23. MÜLLER, Heiner. "Gedichte". Suhrkamp, Frankfurt/M, 1998, p. 14.
24. MÜLLER, Heiner. "Bildbeschreibung". In: “Shakespeare Factory 1”, Rotbuch, Berlin, 1989, p. 7.
25. MÜLLER, Heiner. "Gedichte". Suhrkamp, Frankfurt/M, 1998, p. 275.
26.HORKHEIMER, Max. "Gesammelte Schriften", v. 5. Fischer, Frankfurt/M, 1987, p. 288.
27. MÜLLER, Heiner. "Gedichte". Suhrkamp, Frankfurt/M, 1998, p. 37.
28. MÜLLER, Heiner. "Gedichte". Suhrkamp, Frankfurt/M, 1998, p. 45.
29. MÜLLER, Heiner. "Herzstück". Rotbuch, Berlin, 1989, p. 61-2.
30. MÜLLER, Heiner. "Der Auftrag. In: Heiner Mueller, "Revolutionsstuecke", Reclam Verlag, Stuttgart 1995, p.67-68.
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Drucksache Neue Folge 6 im Auftrag der Heiner-Müller-Gesellschaft herausgegeben von Wolfgang Storch Drucksache N.F. 6, Laymert Garcia dos Santos Laymert Garcia dos Santos: Heiner Müller und der Rhythmus der Zeiten/ José Galisi Filho: Gepanzerter Blick und technologischer Eros bei Heiner Müller/ u.a. p. 60-82. 2001
DRUCKSACHE N.F.
Im Auftrag der Internationalen Heiner Müller Gesellschaft herausgegeben von Wolfgang Storch in Fortführung der von Heiner Müller begründeten, 1993 – 1996 vom Berliner Ensemble herausgegebenen Reihe.
Heiner Müller hatte als Mitglied des Direktoriums und später als künstlerischer Leiter des Berliner Ensembles die Reihe Drucksache begründet und redigiert. Parallel zur Theaterarbeit, korrespondierend und unabhängig, veröffentlichte er Texte, die ihm wichtig waren als Antwort auf die Entwicklung in Deutschland, in Europa, in der Welt.
Die Internationale Heiner Müller Gesellschaft setzt die Reihe in einer Neuen Folge fort. Sie lädt Philosophen und Künstler ein, jeweils ein neues Heft zu konzipieren, um den von Heiner Müller geführten und eingeforderten Diskurs heute weiterzutragen, um anzuzeigen, was sie in ihrer Arbeit mit Heiner Müller verbindet.
Drucksache N.F. 1 - 6
Richter Verlag GmbH, Düsseldorf
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