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Friday, 6 April 2012

Um Bilhão de Sacadas Voltadas para o Sol - Cachorros de Palha (John Gray):As Novas Perversões Administradas

Posted on 12:48 by Unknown

Os dias em que a economia era dominada pela agricultura há muito se foram. Os da indústria estão quase terminando. A vida econômica já não é mais voltada prioritariamente para a produção. A que então está voltada? A distração.
O capitalismo contemporâneo é prodigiosamente produtivo, mas o imperativo que o comanda não é a produtividade. É manter o tédio à distância. Onde a riqueza é a regra, a maior ameaça é a perda do desejo. Com vontades tão prontamente saciadas, a economia logo começa a depender da manufatura de necessidades cada vez mais exóticas.
A novidade não é a prosperidade depender do estímulo da demanda. É ela poder continuar sem inventar novos vícios. A economia é comandada por um imperativo de novidade perpétua, e sua riqueza acabou dependendo da manufatura de transgressões. O fantasma que a assombra é a saturação — não de bens físicos apenas, mas de experiências que se tornaram insípidas. Novas experiências tornam-se obsoletas mais rapidamente ainda do que produtos físicos.
Adeptos de "valores tradicionais" fazem críticas fulminantes à licenciosidade contemporânea. Eles preferiram esquecer o que toda sociedade tradicional entendeu — que a virtude não pode passar sem o consolo do vício. Mais exatamente, estão cegos à necessidade econômica de novos vícios. Drogas e sexo produzidos por designers são produtos prototípicos do século XXI. Isso não é porque, nas palavras do poema de J. H. Prynne,

Música
viagem, hábito e silêncio são tudo dinheiro


— embora seja isso o que eles são. É porque novos vícios têm efeito profilático contra a perda do desejo. Ecstasy, Viagra, os salões sadomasoquistas de Nova York e Frankfurt não são apenas auxílios para o prazer. São antídotos contra o aborrecimento. Num tempo em que a saciedade é uma ameaça à prosperidade, prazeres que eram proibidos no passado tornaram-se os produtos básicos da nova economia.

Talvez seja uma sorte sermos poupados dos rigores do ócio. Em seu romance Cocaine Nights, J. G. Ballard apresenta o Clube Náutico, um enclave exclusivo para aposentados britânicos no resort espanhol de Estrella Del Mar:

A arquitetura branca que apaga as memórias; o lazer obrigatório que fossiliza o sistema nervoso; o aspecto quase africanizado, mas uma África do norte inventada por alguém que nunca visitou o Magreb; a aparente ausência de qualquer estrutura social; a atemporalidade de um mundo além do tédio, sem passado, sem futuro e com um presente diminuindo. Seria talvez com isso que se pareceria um mundo futuro dominado pelo ócio? Nada jamais aconteceria nesse reino despido de emoções, onde uma brisa entrópica acalmaria as superfícies de mil piscinas.

A fim de repelir a entropia psíquica, a sociedade recorre a tera-pias não-ortodoxas:

Nossos governos estão se preparando para um futuro sem trabalho. (...) As pessoas trabalharão, ou melhor, algumas pessoas trabalharão, mas apenas durante uma década de suas vidas.
Elas se aposentarão antes dos quarenta anos e terão cinqüenta anos de ócio pela frente. (...) Um bilhão de sacadas voltadas para o sol
.

Somente a excitação do proibido pode aliviar o peso de uma vida de lazer:

Restou apenas uma coisa que pode excitar as pessoas. (...) Crime e comportamento transgressor — e com isso eu quero dizer todas as atividades que não são necessariamente ilegais, mas que nos provocam e dão vazão à nossa necessidade de emoção forte, estimulam o sistema nervoso e fazem saltar as sinapses amortecidas pelo lazer e a inação.



O cenário de Ballard de "um bilhão de sacadas voltadas para o sol" provou-se equivocado. No século XXI, os ricos trabalham mais do que nunca. Mesmo os pobres estão poupados dos perigos que acompanham o fato de se ter muito tempo nas mãos.
Mas os problemas de controle social numa sociedade que trabalha em excesso não são tão diferentes daqueles num mundo de lazer compulsório. Num outro romance escrito mais tarde, Super-Cannes, Ballard pinta a comunidade empresarial modelo de Eden-Olímpia, onde o torpor de executivos estafados é tratado com um regime de "violência cuidadosamente medida, uma microdose de loucura, como os minúsculos traços de estricnina presentes em um tônico para os nervos". O remédio para o trabalho sem sentido é um regime terapêutico de violência sem sentido — brigas de rua cuidadosamente coreografadas, assaltos, roubos, estupros e outras recreações ainda mais desviantes.

O princípio racional do regime é explicitado pelo psicólogo residente que orquestra esses experimentos em psicopatia controlada:
"A sociedade consumista tem fome do que é desviante e inesperado. O que mais pode orientar as bizarras mudanças no mundo do divertimento, de forma a nos manter comprando?"
Hoje as doses de loucura que nos mantêm sadios são fornecidas pelas novas tecnologias. Qualquer um ligado à Internet tem uma oferta ilimitada de sexo e violência virtuais. Mas o que acontecerá quando não conseguirmos novos vícios?
Como serão repelidos a saciedade e o ócio quando sexo, drogas e violência feitos por designers não venderem mais? Nesse ponto, podemos ter certeza, a moralidade voltará à moda. Talvez não estejamos longe de um tempo em que "moralidade" seja vendida como um novo tipo de transgressão.



















Can I be your friend?



John Gray. Cachorros de palha: Reflexões sobre humanos e outros animais. Tradução: Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro, Record, 2005, p. 177-180.
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