Saturday, 21 April 2012
Die Heilige Familie: Germania Tod in Berlin - A Sagrada Família: Germânia-Morte em Berlim, Heiner Müller (Revista Vozes)
Posted on 09:31 by Unknown
Apresentado por José Galisi Filho*
A sétima cena de Germania Tod in Berlin (Germânia - Morte em Berlim), 1976, descreve o surgimento da República Federal da Alemanha e talvez seja um dos momentos mais histriônicos da dramaturgia de Heiner Müller. A mobilidade das falas, o despudor verbal no limite da escatologia, a composição alegórica em clima surreal parecem até adequados ao tratamento farsesco do fascismo e exemplificam sua capacidade em elaborar, em feição grotesca, o topos da miséria alemã.
Se Germânia é, como observa Genia Shulz (Heiner Müller, Metzler Verlag, 1980), uma espécie de "Tratactus", um bestiário exemplar das taras nacionais, a cena ("paródia chapliniana") faz sentido como a exacerbação dessa intenção. As semelhanças de composição com Arturo Ui, de Brecht,
parecem evidentes, mas apontam em outra direção, pois sua comicidade não deriva de um contexto referencial e está bem longe de subestimar o inimigo. Na tradição cômica alemã contemporânea, são inequívocas também as afinidades com o grotesco de Ivan Goll.
Adorno desqualificava em Brecht a identificação sumária do fascismo a um suposto "truste da couve" (1). A redução estética deixa escapar a verdadeira dimensão do horror, que implica o movimento geral da sociedade e não aceita maniqueísmo, mesmo como estratégia de combate. Não se pode personalizar um princípio abstrato que permeia a trama social.
Essa fraqueza, que parece se estender a Santa Joana dos Matadouros, por exemplo, decorre da impregnação letal que os movimentos abstratos da esfera econômica impõem, escapando à descrição imediata. O preço, sem prejuízo do arranjo poético, é a inconsistência.
Heiner Müller sempre afirmou, como provocação, que a Alemanha Federal representava uma "empresa econômica saneada pelos aliados", reduzida a seu "núcleo econômico potente", no caso, o complexo industrial do Ruhr, que sobreviveu ao desmanche realizado pelos soviéticos em sua Zona de Ocupação.
Essa anistia moral e o fato de que, menos de quatro décadas depois do maior crime de sua história, reencontre sua hegemonia no coração do continente, constitui por si só um escândalo. O que se afirma no campo ideológico tem uma tradução estética de outra qualidade.
No terreno das interpretações recentes de Heiner Müller, merece destaque o trabalho filológico de Christian Klein, Heiner
Müller ou l'Iditot de la Republique (Peter Lang Verlag, 1993), um assentamento definitivo das dificuldades técnicas que cercam sua
dramaturgia e do emaranhado de equívocos críticos que vem
suscitando.
Envolvida numa partilha ideológica que não se encerrou com o desaparecimento da RDA, a obra de Müller é freqüentemente assimilada a clichês que oscilam entre a dissidência e a propaganda. Essa redução transformou-se em marca registrada de sua crítica. Uma decodificação imedita dificilmente deixaria de reconhecer em Müller os lugares-comuns da máquina de propaganda do SED, da RDA, durante os anos da Guerra Fria.
Klein lança uma nova luz sobre essa cena e aponta para o fato de que seu valor até agora é muito mais produto de uma distorção de perspectivas que de uma compreensão efetiva de seu real papel na economia do texto. Em certo sentido, e até o colapso do regime de Honecker em 1989, ela apenas foi entendida de modo afirmativo.
Quando se lê A Sagrada Família como tradução referencial do grotesco fascista e sua continuidade no suposto "lobo talidomida", lavado com OMO e em pele de cordeiro (RFA), o que invariavelmente é a tônica das encenações, solução fácil, para desagrado do autor e contra a intenção textual, perde-se o essencial numa simplificação que pouco tem a ver com sua elaboração da experiência fascista, um Trauerarbeit (trabalho de luto) sem tréguas contra a reincidência do passado.
A peça Germânia, que descreve a gênese da RDA, em especial, focalizando o levante de trabalhadores de 17 de junho de 1953, é composta segundo um princípio binário, em cenas pares (RFA/RDA), desde o fracasso da Revolução de 1918 até 1953. A Sagrada Família ocupa rigorosamente o centro e deveria se espelhar numa outra, o que não ocorre nas edições até agora publicadas e causa estranhamento.
Dentro de uma cronologia muito fluida na composição geral, ela aparece depois da morte de Stalin (Hommage a Stalin 1/2), numa espécie de celebração simbólica à perda do "grande Pai" e "assassino emérito dos povos", como Brecht sempre o denominou. Essa liberdade súbita desencadeia sentimentos adormecidos e ameaça a ordem colonial estabelecida. É justamente neste instante de perigo que a liderenca do SED (2) se vê forçada a reafirmar sua identidade imaginária. Para tanto, é preciso "exorcizar" o inimigo, torná-lo tangível.
A Sagrada Família ocupa, portanto, o "centro" da estrutura, a "hora zero" da história alemã, e a capacidade desagregadora que irradia estende-se ao conjunto.
Num dos protocolos de encenação (Berliner Emsemble), admite-se que esta cena poderia ser pensada como uma espécie de "missa negra" no interior do texto. No entanto, desde a estréia em 1978, em Munique, sob a direção de Ernst Wendt, o tom geral foi sempre farsesco, numa espécie de cabaré enlouquecido.
A cena era o clímax da primeira parte do espetáculo. Nessa montagem inicial, o nascimento da criança/lobo talidomida RFA, surgida da barriga de Goebbels, ocorria sobre a capota de um volks. Dessa forma, o foco parece recair sempre sobre a RFA, confirmando o imaginário oficial da liderança do SED sobre a "outra Alemanha", literalmente "devota do demônio" e do marco, sob o ditado imperialista de sua indústria automobilística.
Afinal, historicamente ela realizou a promessa do Führer de dar a cada alemão seu "Kaefer" (fusquinha).
Isso seria muito simples e reduziria os materiais de Heiner Müller à camada mais superficial. O problema é que a variante de A Sagrada Família, na perspectiva da RDA, nunca pôde ser encenada em função da censura, mas foi escrita e, como subtexto, lhe confere sentido real.
Esta cena apresenta Walter Ullbricht conversando com Thälmann, antigo secretário do Partido Comunista, morto num campo de concentração em 1944, ambos como sentinelas noturnas do muro, durante a visita de Kennedy a Berlim Ocidental, quando este pronuncia a célebre frase: "Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense"). Esta cena deveria encerrar a peça, estabelecendo uma simetria com o centro. Ela demonstra que o propósito real de A Sagrada Família não é espelhar de modo imediato discursos, que, no plano ideológico, se afirmam como auto-evidentes, mas perceber o déficit de empiria em sua formulação.
Enfim, se consideramos sua comicidade como referencial, a visão do inimigo se empobrece. Na verdade, a ambiência de delírio que ela realiza é uma tradução mimética de como a própria RDA percebia o campo adversário, ou seja, um apanhado delicioso de todos os clichês do socialismo real sobre a natureza feroz do inimigo. Nesse sentido, seu foco não é simplesmente o espelhamento de um entrecho referencial,
como se a própria ideologia fosse idêntica à realidade, o que o fechamento da cena busca realizar, como suspensão da própria realidade histórica e do princípio da contradição. Essa identidade impossível está traduzida no seu maniqueísmo, nas simplificações absurdas que legitimaram o "Bauern und Proletarier Staat" ("O Estado Camponês e Operário"), também herdeiro do fascismo e especializado na "produção permanente de inimigos de Estado", nas palavras de Müller. De fato, como afirma Klein, o propósito de Müller não é oferecer uma imagem surreal da RFA, seu procedimento não se relaciona a uma realidade imediata, mas com uma representação caricatural dessa realidade.
Essa é sua lógica interna.
Quando desejamos compreender a estabilidade da RDA como fiadora do Bloco Oriental, sua resistência à perestroika até a sua completa desagregação, é preciso buscar explicações em continuidades históricas que jazem muito além da mera causalidade econômica, ou de razões estratégicas.
A liderança do antigo SED, formada em anos de exílio ou nas prisões, sempre considerou a maioria da população como suspeita de colaboração com o regime nazista, sobretudo em função do dinamismo de sua máquina de guerra.
Ninguém tinha coragem de formular esse impasse claramente; na verdade, essa era uma das perguntas mais importantes que Brecht deixara em aberto antes de sua morte em 1956, quando fracassa em recompor o perfil do operariado alemão que emerge da experiência fascista no fragmento Büsching 1954) (3):
a classe operária alemã fora "disciplinada pelo fascismo", sua "produtividade" mesma revelara-se criminosa.
Seria preciso então emancipar essa produtividade dessa qualidade no contexto da reconstrução. O levante de junho de 1953 foi o primeiro encontro da liderança com seus trabalhadores e o resultado foi um massacre. Dessa desconfiança, surgiu uma relação paranóica do Estado com os poucos canais da sociedade civil que resistiram ao gerenciamento tecnocrático da economia,
que na RDA simplesmente se sobrepôs à desestalinização das instâncias políticas.
Essa neutralização da esfera pública teve um efeito anestésico surpreendente. A expressão ideológica confusa dessa relação combinava um antifascismo genérico, calcado numa retórica da solidariedade internacional, e uma valorização chauvinista de certos traços do passado prussiano (4).
Em suma, ela só tem sentido quando a percebemos centrada no próprio imaginário da RDA, o que se confirma até com certa facilidade na leitura do conjunto da peça, e não no "terrível" antagonista.
Até agora, isso ainda não foi percebido, o que nos dá uma medida exata das dificuldades filológicas que cercam alguns dos textos de Heiner Müller, mas corresponde rigorosamente à lógica de sua composição.
A Sagrada Família
Bunker do Führer. HITLER congelado numa de suas poses. Um sino toca as doze badaladas da meia-noite. Hitler começa a se movimentar, dança, ensaia alguns passos, estuda suas poses, pega uma lata de gasolina, bebe etc.
HITLER: Joseph!
Goebbels com o pé aleijado e seios gigantescos, em gravidez avançada.
GOEBBELS: Meu Führer!
HITLER: Apalpa a barriga grávida de Goebbels: Como está nosso herdeiro. Já está se mexendo? Muito bom. Tá tomando gasolina direitinho? Apalpa os peitos de Goebbels. Os peitinhos estão bem durinhos como convém a uma mãe alemã? Muito bom. Superioridade alimentar, superioridade militar.
GOEBBELS: A gente só tem gasolina para mais três dias.
HITLER: Então se apresse para o parto. Guarda!
Sentinela com uniforme negro e cabeça de javali.
HITLER coçando o traseiro de Goebbels que se estatela de rir
Sirvam o café da mnhã!
Sai o sentinela. Um soldado. Hitler o come, terminando pela cabeça, tosse e tira os cabelos da boca.
Eu ordenei que meus soldados fossem depilados antes de comê-los. Porcaria!
Tosse e bebe gasolina.
GOEBBELS: Permita-me lembrar, meu Führer, que o círculo dos que conhecem este segredo deve permanecer restrito. O povo alemão o ama como vegetariano. Nós temos problemas com o pessoal, o cabeleireiro não pôde apresentar seu atestado de arianidade. O antigo foi transferido. Ele está barbeando o Sr. Stalin. Os desígnios da Providência são insondáveis.
HITLER esbraveja. Perfídia! Traição! Estou cercado de traidores. Eles querem me assassinar. Eles põem bombas na minha cama, facas na minha comida. Eles põem veneno na minha gasolina. Vou decapitá-los, enforcá-los, esquartejá-los. Soluça, morde o tapete. Encosta a cabeça nos peitos de Goebbels, geme.
GOEBBELS o acaricia e nina: Você é o maior. Você é mais forte que todos juntos. Eles nada lhe podem fazer. Você os castigará.
HITLER na mesma posição: Sim, cortar os dedos, as mãos, os braços, as pernas, as orelhas. Cortar o nariz. Esbaforido de rir. Arrancar o pinto deles.
GOEBBELS ameaçando-o com o dedo: É feio dizer o pinto.
HITLER jogando-se no chão e estrebuchando: Foi você quem disse pinto. Confesse que você disse pinto, traidor. Você também é um traidor.
GOEBBELS rapidamente: Sin, eu disse pinto, admito. Imploro clemência, meu Führer.
HITLER levanta, assume a pose de Napoleão: Como castigo você irá me lamber as botas. Goebbels se atira à bota esquerda de Hitler.
HITLER: A direita primeiro.
Goebbels se atira à bota direita de Hitler
Sentinela!
Sentinela.
O último relatório.
SENTINELA: Um cachorro acabou de atravessar correndo o gramado lá em cima.
HITLER: Você ouviu isso, Joseph. Eles se camuflam. Eles não ousam nos encarar de frente. Estou vendo claramente qual é o jogo deles. Eu vejo tudo. Um cachorro. Ridículo. Prossiga.
SENTINELA: Acabou de mijar no gramado. É tudo, meu Führer.
HITLER: Abra o olho. O inimigo está em toda parte.
SENTINELA: Sim, meu Führer.
Sentinela sai.
HITLER: Agora vou me dirigir ao meu povo.
Meu povo. Goebbels coloca as mãos na barriga e se estrebucha no chão gritando.
HITLER: Uma mãe alemã não grita. Sentinela!
Sentinela.
HITLER: Tragam imdeiatamente a parteira. Chegou a hora.
Sentinela sai.
São as dores. As dores começaram. Conheço isso do meu primeiro casamento. Goebbels se estrebucha histericamente. Sempre com ciúmes do seu velho Ernst? Sim, ele era um traidor. Ele também. Você se lembra como ele arregalou os olhos quando viu minha pistola. Ele não esperava por essa.
Aquele pequeno porco. Como os seus joelhos tremiam. Ele havia engordado um pouco nos últimos tempos. Descarreguei todo o cartucho. Minha mão não tremeu. Vocês o haviam pegado, você e Hermman, um traidor também. Estou cercado de traidores! Minhas costas são uma única cicatriz.
Uma punhalada atrás da outra. Eles me seguem em todos os lugares. Aqui e acolá. Caminha de um lado para o outro cada vez mais rápido, voltando-se para trás. Eles estão atrás de mim. Eles não ousam me encarar. Eles permanecem atrás de mim. Você está vendo. Mas eu vou acabar com todos eles. A Providência trabalha para mim.< Sentinela.
SENTINELA: O cachorro passou correndo novamente. Mijou novamente. (5) A parteira.
Germânia, gigantesca, com um estojo de instrumentos de parteira.
GERMÂNIA: dá-lhe um murro na barriga, estala seus dentes etc. Como está meu garotinho? Tá bebendo direitinho a sua gasolina? Comendo seus homens? Muito bom.
Agarra-lhe os testículos.
HITLER, envergonhado: Mamãe!
GERMÂNIA: Ainda com seu complexo de Édipo? Ri.
HITLER: Isso é uma porcaria judia.
GERMÂNIA: Não quero mais ouvir falar disso, já estou farta com suas histórias de judeus. As pessoas ficam me en fiando o dedo na cara. Ainda hoje mesmo. Algumas nem me cumprimentam mais.
HITLER: O judeu... Germânia lhe dá um safanão na orelha. Hitler geme.
GERMÂNIA: O quadril é muito estreito. Será um parto com instrumentos. Não se preocupem. Não tenham medo, não é meu primeiro. Estamos quase lá. Sem sacrifício, não há recompensa. Estenda bem as pernas. Respire fundo e solte o ar. Força, assim. Um, dois, um dois...
Sentinela.
SENTINELA: Os três reis magos do Ocidente (6).
HITLER: Você ouviu isso, Joseph. Eles estão interessados de novo na gente. Nós somos de novo alguém (7). O mundo ...
GOEBBELS: VOCÊS QUEREM A GUERRA TOTAL? (8)
GERMÂNIA: Cala o bico.
HITLER ao sentinela: O pelotão de honra!
GERMÂNIA a Goebbels: Você poderia passar só um pouquinho de rouge.
HITLER: Uma mãe alemã...
GERMÂNIA: Eu tenho que acompanhar os tempos se quiser voltar aos negócios novamente. Aplica em Goebbels uma maquiagem de prostituta. Pronto a Hitler: E para não dar crepe. Os homens sabem o texto?
HITLER: A Providência...
GERMÂNIA: Eu preferia estar segura.
Pelotão de honra. Cabeças de cachorros, crepe branco sobre o uniforme, botas ensangüentadas, asas de anjo, perfilam-se.
GERMÂNIA: Eles poderiam pelo menos ter limpado as botas! Tenho que fazer tudo sozinha? Mas que tremenda porcaria!
Os três reis magos passam o pelotão em revista.
MAGO 1: Nossa semente germinou.
MAGO 2: Não estou gostando das botas.
MAGO 3: Reprovado, elas também não me agradam.
MAGO 1: Não podemos perder de vista nossos objetivos.
MAGO 2: O comunismo é uma ameaça abominável.
MAGO 3: Especialmente do ponto de vista moral.
MAGO 1: Sobretudo quando se pensa nas crianças.
PELOTÂO DE HONRA: LIBERDADE DEMOCRACIA OCIDENTE PAZ NÃO HÁ LUGAR NO MUNDO COMO A NOSSA CASA ANTES MORTO QUE VERMELHO ÍNDIO BOM ÍNDIO MORTO A CADA UM O QUE É SEU UNIDADE NA LIMPEZA.
GERMÂNIA aliviada: Funcionou.
MAGO 1: O que eu estava dizendo?
MAGO 2: De fato, um novo espírito.
MAGO 3: Finalmente, as botas podem ser limpas.
GOEBBELS esbravejando: VOCÊS QUEREM A GUERRA TOTAL.
HITLER: Neste momento histórico... Goebbels solta um peido gigantesco que espalha uma nuvem de fedor que derruba os três rei magos.
PELOTÂO DE HONRA: Sieg Heil Sieg Heil Sieg Heil. Os três reis magos puxam a espada, tapam o nariz, levantam-se.
GOEBBELS: Meu Führer.
GERMÂNIA a Hitler: É evidente que isto não é nenhuma brisa. Você nunca foi um terror na cama.
Hitler grunhe.
MAGO 3: Não está cheirando bem.
MAGO 2: Não está cheirando nada bem.
MAGO 1: Não devemos nos escandalizar com tão pouco.
MAGO 3: Essas coisas são naturais.
MAGO 2: Nada de humano me é estranho.
MAGO 3: Talvez fosse o momento de entregar os presentes.
MAGO 2: Não precisamos ficar até o fim
MAGO 3: Enfim, tudo se encaminha novamente.
MAGO 1: Os presentes!
Os soldados dos três reis magos trazem os presentes e voltam.
MAGO 3: Um kit de instrumentos de tortura. Eu mesmo o testei. Acredito que vocês tenham o provérbio: "É de pequeno que se torce o pepino".
MAGO 2 : Um brinquedo moderno para o pequenino. Eu cresci com um. Fortalece a auto-estima. O funcionamento é bastante simples. Posicionao canhão, carrega-se o homenzinho e bum, com um estoque extra de negrinhos.
MAGO 1: Uma especiaria para sua cozinha. Um espécime ainda fresco. Tá um pouqinho passado. A caça foi ontem. Todos nós temos nossas pequenas fraquezas.
HITLER magnânimo: Eu não como negros.
MAGO 1: Esse fanatismo é mesmo desagradável.
MAGO 3: Vergonhoso, esse fanatismo.
MAGO 3: Ele é mesmo intratável!
MAGO J: Não vamos avacalhá-lo. Deus sabe lá quando precisaremos dele novamente.
GERMÂNIA a Hitler: Devemos marchar com os novos tempos. Isso vale para você também. Diga obrigado a esses senhores. Hitler grunhe, lambendo os sapatos dos três reis magos grunhindo. Longo grito de Goebbels.
GERMÂNIA: Senhores. Estamos prontos. Onde estão os ferros. Dêem-me uma ajudazinha. Germânia introduz os instrumentos e puxa, o primeiro mago puxa Germânia, o segundo puxa o primeiro e o primeiro o terceiro.
HITLER: Meu povo!
PELOTÂO DE HONRA: DEUTSCHLAND ERWACHE! SIEG HEIL!
OS TRÊS REIS MAGOS: HOSANA ALELUIA.
Um lobo uiva. Germânia e os três reis magos caem para trás. Diante deles, um lobo talidomida
OS TRÊS REIS MAGOS consternados: Oh!
Germânia se levanta, tira de sua caixa de instrumentos de parteira um pacote família de OMO e o esvazia sobre o lobo. Luz branca. O lobo está em pele de carneiro.
GERMÂNIA aos três reis magos: Vocês diziam que...
O lobo despedaça os bonecos dos negrinhos. Hitler tortura Germania que está imobilizada pela guarda de honra, Goebbels dança a dança de São Vito.
GERMÂNIA grita.
HITLER ri.
PELOTÂO DE HONRA: DEUTSCHLAND ERWACHE! SIEG HEIL!
GOEBBELS dançando: Felizmente ninguém sabe que eu me chamo Rumpelstilzchen.
LOBO uiva
OS TRÊS REIS MAGOS na posição de três macacos.
ALELUIA HOSANA!
Hitler carrega o canhão. Germânia é amarrada em frente a ele pelo pelotão de honra. Dispara. A cortina cai.
NOTAS
1. Engajement. In: Noten zur Literatur, Surhkamp, Frankfurt, 1991.
2. Sozialistische Einheit-Partei Deutschlands, Partido Socialista Unificado, produto da fusão do antigo KPD (Kommunistische Partei Deutschlands, Partido Comunista da Alemanha) com o SPD (Sozialde-mokratische Partei Deutschlands, Partido Social-Democrata Alemão) (N.T.).
3. Inspirado no "ativista"(stahkanovista) Hans Garbe, "Herói do Trabalho"em 1949, líder de uma brigada que reparou um forno circular para a produção de cimento, sem resfriá-lo, na Siemens Plania em Berlim Oriental. O desempenho de Garbe, bem como de outros ativistas, está na base de uma mitologização do trabalho voluntário no contexto do socialismo de caserna.
4. "Esse regime de afáveis burocratas operários, tipicamente alemão', mas instalado do lado de fora e contratado por uma potência protetora, sentado tão inconfortavelmente sobre as baionetas, somente podia referir-se - uma ironia diretamente fantástica da história - a elementos, tradições e estruturas de pensamentos análogos na própria sociedade, procurando mobilizar para si, a despeito da retórica constantamente cantarolada da revolução e progresso, que parecia sempre mecânica e de pouca credibilidade, precisamente os conteúdos reacionários, prussianos, imperiais (em alguns pontos até fascistas) do passado: o passo de ganso do Exército Popular Nacional simbolizava mais que uma simples herança militar. Aqui uniam-se o estatismo bolchevista e o prussiano, os produtos do desenvolvimento recuperadores do capital de épocas diferentes, penetrando os poros da sociedade até formar um conglomerado particularmente repugnante. Surgiu assim uma mistura de correios alemães, acampamento de escoteiros permanente, desde o berço até a sepultura, e economia de comando militarizada. Se a União Soviética já precisava ter uma economia de guerra mais acentuada do que na própria situação de guerra, a RDA tornou-se agora mais soviética do que os sovietes e, precisamente por isso, mais prussiana do que os prussianos. Economia em passo de ganso e socialismo de caserna produziram na RDA um fenômeno extraviado na evolução da modernização capitalista que na biologia deveria ser chamada de pesadelo darwiniano." Robert Kurz, O Colapso da Modernização, Paz e Terra, p. 66.
5. Um pouco do detalhismo de Müller. Na cena anterior, o rei da Prússia bavia afirmado que nada acontecia em seu reino sem que ele ordenasse. Trata-se da estilização da fábula do moleiro de Potsdam, que incomodava Frederico II. com o barulbo de seu moinho. O cachorro sai do espaço da fábula, alegoria da liberdade civil, e passeia pelo Bunker sem que ninguém possa fazer nada (N.T.).
6. Pela ordem de aparição: Estados Unidos, Inglaterra e França (N.T.).
7. "Wir sind wieder wer" lugar-comum do orgulho nacional que se generalizou depois da vitória da seleção alemã no Mundial de 1954 na Suiça em meio aos primeiros sinais positivos da reconstrução (N.T.).
8. Discurso pronunciado no Berliner Sportpalatz, em 18 de fevereiro de 1943, três semanas após a capitulação em Stalingrado. Goebbles oferece o martírio ao povo alemão, através de uma cruzada para salvar o Ocidente (N.T.).
* Colaborador da CULTURA VOZES
Publicado em Cultura Vozes, No. 5, Ano 89, Volume 89, Setembro-Outubro de 1995, p. 146-158.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
0 comments:
Post a Comment