Peço-lhes a compreensão para o fato de que hoje não falarei muito sobre Kleist. Muitos fatos atuais me impedem: luto pelo passado, raiva pelo que se perdeu, emoções que, de um ponto de vista (dominante) da economia, são um luxo, mas vivemos trabalhanos pelo luxo, curiosidade pelo que virá. E perdoem-me se isso se tornar um monólogo, tenho mais questões que respostas e nenhum tempo para polêmica.
Um muro temporal caiu e todos nos encontramos, por assim dizer, da noite para o dia, em um espaço de dimensões desconhecidas, mais ou menos na mesma situação de um cego que, num cruzamento bastante movimentado, descobrisse que seu cão guia não enxerga mais, ou se vocês quiserem, como aquele famoso e sempre citado cachorro de Carl Schimitt, numa auto-estrada, de qualquer maneira, numa situação kleistiana. O motorista fantasma é uma figura da auto-estrada.
Uma frase inquietante de Becht do fragmento Fatzer, que não me sai da cabeçca nos últimos tempos: ASSIM COMO ANTES OS FANTASMAS VINHAM DO PASSADO/ HOJE ELES VÊM DO FUTURO.
Para o renano Adenauer, o Elba era um rio de fronteira asiática. Os tremores de horror à idéia de atravessar uma ponte sobre o Elba em direção ao Leste determinaram sua política, que colocou nas mãos do saxão Ullbricht o martelo com o qual ele pôde pregar a Alemanha Central e Oriental na cruz do estalinismo,
ou, dizendo de maneira menos patética e mais próxima da realidade, que permitiu aos prisioneiros de Stalin manter prisioneira a população da colônia RDA (chamada OS NOSSOS) no circuito de espera imaginado do SOCIALISMO REALMENTE EXISTENTE, uma monstruosidade verbal.
A imagem do estalinismo, segundo Walter Benjamin, numa de suas infrutíferas conversas em Svendborg com Brecht, como a APARIÇÃO NA SUPERFÍCIE DE UM PEIXE CHIFRUDO VINDO DAS PROFUNDEZAS, é mais exata. O resultado foi o retardamento fatal da unidade alemã: a velocidade da reta final sublinha a fatalidade, porque, em lugar da experiência, restabelece o recalque e aprisiona o impulso de liberação num novo circuito de espera economicamente dominado.
A Prússia de Heinrich von Kleist é uma zona de tremores de terra, ameaçada por falhas, estabelecida na fratura entre Roma e Bizâncio, que atravessa a Europa seguindo linhas irregulares, visível como um relâmpago, quando, após a perda de um lugar religioso ou ideológico, reacendem-se as velhas fogueiras ancestrais. Uma fratura na qual, por exemplo, a Polônia sempre desapareceu. A aliança da Prússia com a Rússia contra Napoleão foi, à luz da História posteiror, uma escolha contra a Europa. Uma tentativa tardia (a História sempre chega a contratempo para os alemães: muito tarde ou muito cedo), em 1848, de marchar em passo certo com a Europa, concluiu-se, logicamente, num compromisso de classe e nacional.
À POEIRA TODS OS INIMIGOS DE BRANDENBURGO e duas guerras mundiais. Uma frase do jovem Marx: OS ALEMÂES SOMENTE VIVEM A LIBERDADE NO DIA DE SEU ENTERRO. Essa frase valia já para as assim chamadas guerras de libertação contra Napoleão, a última figura de uma visão européia central. Kleist, a despeito de seus entraves familiares e patrióticos, o sabia com Guiscard, fragmento de uma tragédia e tragédia de um fragmento.
Em seguida, com Goya, começou a pintura absoluta, reação(reflexo) à transformação do globo em carta geográfica, a emigração/expulsão para fora do tempo no espaço, segundo o modelo kleistiano do teatro de marionetes, experimentado por Nietzsche, como a morte de Deus, por Marx, quase simultaneamente, como a possibilidade do nascimento do homem além da economia, na verdade, o primeiro passo, talvez um progresso, considerando-se o planeta cada vez mais inabitável, em direção a ultrapassar o homem em sua criação, da tecnologia fora de seu espaço, do tempo no espaço-tempo, no casamento do homem com a máquina.
Uma digressão sobre Kleist: na leitura de suas cartas, um sentimento que não passa sem espanto, de um distância monstruosa, de um distanciamento mesmo em face de seus próprios textos, de seu próprio trabalho, que não se dirige a pessoas, a um público, a censura de Goethe, a um mercado.
Kafka, o primeiro escritor bolchevique, formulou esta distância OS BEIJOS ESCRITOS SÃO BEBIDOS PELOS FANTASMAS. Não se trata apenas dos serviços de escuta anônima ou de censura postal.
O tempo das cartas e dos diários como expressão dos sentimentos termina com a eletrônica: cada um seu próprio espião, a arte é a última coisa autônoma, talvez o último domínio do humano, as obras de arte são cartas endereçadas, na melhor das hipóteses, a destinatários desconhecidos, a rigor, de outras galáxias. Uma outra citação do material Fatzer de Brecht. escrito na espera de Hitler, Stalin, Auschwitz e do Goulag:
MAS NÓS/QUEREMOS NOS SENTAR/À MARGEM DAS CIDADES/ESPERANDO/O NOVO ANIMAL/QUE NASCERÁ/PARA RESGATAR/OS HOMENS. O novo animal não escreve cartas, salvo por "telefax", que faz desaparecer a pessoa.
Em suas observações sobre a tentativa fracassada alemã, em 1848, para recuperar a Revolução Francesa, que teve lugar na Alemanha só na literatura, como sublimação, o diplomata espanhol Donoso Cortes via, não livre de racismo, a principal ameaça para a Europa na aliança vindoura entre o nacionalismo eslavo e o socialismo.
Esta aliança foi, de uma outra perspectiva, a saber, do ponto de vista da impregnação da invasão tártara na política russa, o pesadelo, por excelência, de Karl Marx. O pesadelo realizou-se no SOCIALISMO REALMENTE EXISTENTE. O atual retorno do Mesmo: na RDA, a ocupação soviética impediu a guerra civil, que teria sido a pré-condição de uma verdadeira revolução, isto é, a substitutiu pelo pelo terror burocrático, o que possibilitou à República Federal debelar, na raiz, a partir de seu interesse natural em manter sua frágil estrutura conservadora, com o suave estrangulamento econômico de sua economia de mercado, a segunda revolução possível.
O recibo histórico pela luta de classes reprimida é agora o retorno das atavismo das lutas raciais, que ainda nos manterão ocupados por um longo tempo.
Depois dessa excursão pela História, produto da ganância do dramaturgo por catástrofes, as quais, como afirmam os psicanalistas, decorrem de uma relação perturbada com a vida, mas quem poderia permanecer impassível diante das desgraças diárias, salvo como um doente mental ou um santo, voltemos ao nosso bastante perturbado Kleist, para quem a organização caduca do mundo foi uma condição de sua existência como autor e, finalmente, a razão de seu suicídio. Sua metáfora fundamental, no campo de tensão entre a Europa e Ásia, é a coluna de poeira, figura da aceleração total na imobilidade: o olho do furacão.
Uma experiência européia fudamental, revivida no Leste pela ocupação soviética, foi o ataque dos mongóis, uma lembrança que, além da confiança no senil Hinderburg, o grande guarda-freios do rolo compressor russo em Tannenberg, levou Hitler ao poder como se fosse seu filho eleito. Mesmo a definição de Meister Eckart - DEUS É O DESERTO - parece inspirada no sonho da invasão da estepe montada a cavalo no mundo da manufatura alemã estabelecida.
Deus é o outro. O túmulo de Gengis Kahn não pode ser localizado. Os mongóis tinham o hábito de andar a cavalo sobre os túmulos de seus chefes até que não se pudesse mais disntigui-los da terra ao redor.
Do ponto de vista do gago Kleist: da aprimoração gradual dos pensamentos para a aprimoração gradual do silêncio ao falar. Em 1961, a coluna de poeira tornou-se cimento, corretivo ao turbilhão dos continentes. Depois de sua queda, a Europa se encontra ao ar livre, exposta aos quatro ventos. Penthesilea é uma peça africana, além da intrepretação orientalista de Sófocles por Hoerderlin. Os elefantes não são um ornamento, mas sim os elefantes que Aníbal conduziu contra Roma. Uma frase de Brecht sobre Aníbal: ELE NÂO ESTÀ MESMO INTERESSADO EM CARTAGO.
Esse atalho é o drama, a orquestra, a música. Kleist, comparado a Goethe, o europeu e o mestre do equilíbrio, e a Schiller, o alemão, que era um político deslocado, está, em relação a tudo, a priori, numa relação equivocada, equivocada em vista de seus temas: Schroffenstein, um material em estado bruto à la Shakespeare, Klathschen von Heilbronn, uma fofoca medieval, A Bilha Quebrada, um golpe de sorte, o resultado de uma aposta, Hombourg, um relatório militar lido a contragosto.
O problema que se manifesta no solitário Kleist chama-se Alemanha. A figura de sua nostalgia era Napoleão/Guiscard. Shakespeare tinha a Guerra de Duas Rosas, Goethe teve de inventar Goetz, assim como Schiller, Wallenstein, representantes de interesses particulares inflados em figuras nacionais, porque não exitia uma história alemã.
A busca desesperada de um sujeito nacional atravessa a literatura dramática alemã. Exemplo: A Batalha de Arminius. Um incidente realativamente sem consequências nas fronteiras do Império Romano como mito nacional, em Kleist, o drama da guerrilha. Ele se comporta diante de seus temas como um violador diante de uma mulher.
Em Penthesilea, ele inverte os papéis, o sexo em Hombourg, que reescreve a história de Frederico, o Grande, num sonho da Prússia, ele encontra seu ponto zero. Goethe não gostaria de desejar as mudanças que acreditava necessárias para a formação de uma literatura nacional alemã. Kleist estaria curioso pela Alemanha que virá. ela não será apenas européia.
Wednesday, 11 April 2012
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