GreatWritersFranzKafka

  • Subscribe to our RSS feed.
  • Twitter
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • Facebook
  • Digg

Friday, 27 January 2012

Princesa Lagartixa - Minima Moralia - Theodor W. Adorno

Posted on 00:37 by Unknown
Princesa Lagartixa*. — São justamente as mulheres que carecem de fantasia que a inflamam. O nimbo que reluz com maior colorido é o que envolve aquelas que, inteiramente voltadas para o exterior, são as mais sóbrias. Sua atração decorre da falta de consciência de si mesmas e, até, de um Eu pura e simplesmente:
Oscar Wilde inventou para elas o nome de esfinges sem enigma. Elas assemelham-se à imagem determinada para elas: quanto mais pura aparência são, protegidas de qualquer impulso próprio, tanto mais se parecem com arquétipos: Preziosa, Peregrina, Albertine**, que sugerem que toda individuação não passa de mera aparência e que não cessam, todavia, de decepcionar pelo que são.





Suas vidas são concebidas como ilustrações ou como uma perpétua festa infantil, embora semelhante percepção não faça justiça às suas pobres existências empíricas. Storm*** abordou isso na misteriosa história infantil Pole de Poppenspãler.

O jovem frísio apaixona-se pela menina, filha dos ambulantes provenientes da Baviera. "Quando finalmente me voltei, vi um vestidinho vermelho vindo em minha direção e veja só, veja só, era a menina das marionetes; a despeito de suas vestes surradas, ela pareceu-me envolvida por uma aura de conto de fadas.

Tomei coragem e disse a ela: 'Queres dar um passeio, Lisinha?'. Ela olhou-me desconfiada com seus olhos negros. 'Um passeio?', repetiu ela devagar. 'Ora, ora! Que sabidinho tu és!'. 'Aonde queres ir então?'. 'À loja de retalhos!'. 'Queres comprar um vestido novo?', perguntei um tanto atrapalhado. Ela deu uma gargalhada. 'Ora! Que idéia! — Não, só uns trapos!'. 'Trapos, Lisinha?'. 'Claro! Apenas alguns pedacinhos de pano para as roupas das bonecas; eles nunca são caros!'".







A pobreza fazia com que Lisinha se acomodasse com a mesquinhez — "trapos" — embora ela preferisse que as coisas fossem de outro modo. Incapaz de compreender, ela não pode senão desconfiar, como uma excentricidade, de tudo que não tenha uma justificação prática.

A fantasia ofende a pobreza. Pois as coisas mesquinhas só possuem encanto para o espectador. E não obstante a fantasia necessita da pobreza a que faz violência: a felicidade que ela persegue está inscrita nos traços do sofrimento.





É assim que a Justine, de Sade, que sai de uma armadilha da tortura para cair em outra, é chamada de notre interessante héroine, e do mesmo modo Mignon****, no momento em que é espancada, é chamada de criança interessante.


A princesa dos sonhos e a rapariga que é bode expiatório são a mesma pessoa e ela nem suspeita disso. Ainda há vestígios disso na relação dos povos nórdicos com os meridionais: os puritanos abastados buscam em vão nas moças morenas das terras estranhas aquilo que o curso do mundo, que eles comandam, recusa não somente a eles, mas sobretudo aos vagantes.



O sedentário inveja a vida nômade, a busca de pastos verdejantes, e a carruagem verde é a casa sobre rodas, cujo curso acompanha as estrelas.

A infantilidade, que se deixa prender num movimento gratuito, na ânsia desgraçadamente inconstante e momentânea de continuar a viver, assume a defesa do não desfigurado, da realização e, no entanto, a exclui, pois no fundo se assemelha à autoconservação da qual promete falsamente libertar.

Tal é o círculo da nostalgia burguesa de ingenuidade. A frieza desalmada daqueles a quem, à margem da cultura, o quotidiano proíbe a autodeterminação — ao mesmo tempo garbo e sofrimento — transforma-se na fantasmagoria da alma para os bem situados, que aprenderam com a cultura a se envergonhar da alma.




O amor se entrega à frieza desalmada como a um símbolo do que tem alma, porque os viventes são para ele o teatro do desejo desesperado de salvar, que só tem por objeto o que está perdido: o amor só descobre a alma onde ela está ausente.

Assim, humana é justamente a expressão dos olhos que mais lembram os dos animais, das criaturas distantes da reflexão do Eu. No fim das contas, a própria alma é, para quem é privado de alma, uma nostalgia de salvação.
*Conto do folclore alemão que narra a história de uma princesa que se divertia atormentando os animais. Surpreendida ao cortar o rabinho de uma lagartixa, ela se vê transformada ela própria numa lagartixa e só consegue se livrar desse encanto quando tem a própria cauda cortada. (N. do T.)
**Preziosa é o nome da heroína de uma peça do mesmo nome de P. A. Wolff, musicada por Carl Maria von Weber. Peregrina é o tema de poemas de amor, incluídos no romance Maler Nolten de Eduard Moericke, e Albertine, personagem de A la recherche du temps perdu de Proust. (N. do T.)
***Paulo Titereiro (o artista que move os bonecos de engonço, no teatro de fantoches ou títeres), obra (1874) de Theodor Storm (1817-1888). (N. do T.)
**** Personagem de Wilhelm Meister Lehrjahre, de Goethe (N. do T.)

Theodor W. Adorno. "Minima Moralia: Reflexões a partir da vida danificada". Tradução de Luiz Eduardo Bicca e Revisão de Guido de Almeida. São Paulo, Ática, 1992, p. 148-49.
Email ThisBlogThis!Share to XShare to FacebookShare to Pinterest
Posted in | No comments
Newer Post Older Post Home

0 comments:

Post a Comment

Subscribe to: Post Comments (Atom)

Popular Posts

  • "A tiger - in Africa?" - Monty Python's The Meaning of Life (1983): The First Zulu War. Natal 1879 (not Glasgow)
    Democracy and humanitarianism have always been tarde marks of the British Army and have stamped its triumph throughout history, in the furth...
  • California Through the Lens of Hollywood by Dana Polan
    From the cartoons that I watched on television in my East Coast childhood, I remember what was for me a primary image of California. Several...
  • Most Evil Women in History: Satan's Daughter Elisabeth Förster-Nietzsche
    Elisabeth Förster-Nietzsche, (born July 10, 1846, Röcken, near Lützen, Prussia [Germany]—died Nov. 8, 1935, Weimar, Saxe-Weimar-Eisenach [G...
  • The Two versions of the Imaginary - Maurice Blanchot, The Space of Literature
    But what is the image? When there is nothing, the image finds in this nothing its necessary condition, but there it disappears. The image ne...
  • Poesia e Composição - A Inspiração e o Trabalho de Arte, João Cabral de Melo Neto (Versão Integral)
    (Conferência pronunciada na Biblioteca de São Paulo, em 13.11.52,no curso de Poética) A composição que para uns é o alto de aprisionar a poe...
  • The Mother of All Bubbles - Gordon Gekko - Wall Street: Money never sleeps
    You wanna know what the mother of all bubbles was? Us. The human race. Scientists call it the Cambrian Explosion, from the Cambrian fauna.It...
  • The God’s Script by Jorge Luis Borges
    The prison is deep and of stone; its form, that of a nearly perfect hemisphere, though the floor (also of stone) is somewhat less than a gre...
  • Alien and the Monstrous-Feminine by Barbara Creed
    The science fiction horror film Alien (1979) is a complex representation of the monstrous-feminine in terms of the maternal figure as perce...
  • The Genius of Josef Lada
    The hugely popular illustrator, cartoonist, painter, and novelist, as well as a successful caricaturist and stage designer, Josef Lada was b...
  • Hegelianism For Dummies
    No doubt we are intelligent. But far from changing the face of the world, on stage we keep producing rabbits from our brain, and snow-white ...

Blog Archive

  • ►  2013 (133)
    • ►  August (6)
    • ►  July (11)
    • ►  June (22)
    • ►  May (23)
    • ►  April (21)
    • ►  March (17)
    • ►  February (19)
    • ►  January (14)
  • ▼  2012 (269)
    • ►  December (20)
    • ►  November (15)
    • ►  October (12)
    • ►  September (7)
    • ►  August (22)
    • ►  July (21)
    • ►  June (27)
    • ►  May (27)
    • ►  April (22)
    • ►  March (24)
    • ►  February (31)
    • ▼  January (41)
      • The wolves defended against the lambs - Verteidigu...
      • America in Pictures: The Story of Life Magazine (B...
      • The Hunt for Higgs A Horizon Special (BBC Horizon...
      • Princess Lizard - Minima Moralia - Theodor W. Adorno
      • Princesa Lagartixa - Minima Moralia - Theodor W. ...
      • L'Inutile Beauté - Minima Moralia - Theodor W. Ado...
      • L'Inutile Beauté - Minima Moralia - Theodor W. Adorno
      • "You can't believe everything you see" - Form Is C...
      • The World’s Biggest Bomb
      • “I would believe only in a god that knows how to d...
      • Sound and Industry: Kraftwerk and the Düsseldorf s...
      • Germany and the Avant-Garde: The early German rock...
      • And Now for Something Completely Different: German...
      • Modernity - An Incomplete Project - Jürgen Habermas
      • Having-Your-Heart-in-the-Right-Place-Is-Not-Making...
      • Bette Davis Eyes
      • Oligart. The Great Russian Art Boom with Marcel Th...
      • The Physics of Heaven: History, Science, and Techn...
      • Entretien avec Paul Virilio: En attendant la bombe...
      • Paul Virilio: Denker der Geschwindigkeit
      • Wie geht´s weiter? (How Does the Story End?)
      • Mercators geheime Mission: Die erste Europakarte
      • Юдифь и Олоферн
      • Олег Дозорцев (Oleg Dozortsev) Russian's Hieronymu...
      • The Art of Russia with Andrew Graham-Dixon (BBC Four)
      • Editorial - Stadtarchitektur oder Stadt der Mauern...
      • Das brasilianische Projekt - Anthropophagisches Ma...
      • Das brasilianische Projekt - Das Anthropophagische...
      • Yukio Mishima (三島由紀夫): a Kamikaze for Beauty - The...
      • The Mask of Death of Modernism - Mark Vallen on Ro...
      • The Beauty of Maps (BBC Four)
      • Cultural Stereotypes in the maps by Yanko Tsvetkov...
      • Ein Gespräch mit Joseph Beuys (1985)
      • Sol Lewitt - Paragraphs on Conceptual Art (1967 an...
      • Mel Bochner: a Book Review on Lucy Lippard's class...
      • Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse...
      • Prof. Thomas Childers's "Wings Of Morning": The St...
      • Visions of Space - Robert Hughes
      • Play it again, Bill - Ufos over Nuremberg or the L...
      • Fly with Me!
      • On Andrew Holden’s "Cyberpunk Educator"
  • ►  2011 (98)
    • ►  December (26)
    • ►  November (55)
    • ►  October (17)
Powered by Blogger.

About Me

Unknown
View my complete profile