Olhar Convergente e o Início da Grande Caçada
A anatomia do olhar do homo sapiens, forjada desde a descida das árvores nas estepes, é convergente e faz deste exemplar evolutivo um prodígio na caça e na guerra, um misto de violência inata e sagacidade. Essa arquitetura biológica só fez sua massa cerebral crescer e especializar-se cada vez mais desde então. Além disso, uma ironia criativa foi-lhe acrescentada: polegar invertido e mobilidade fina: pronto, a receita para o fim do mundo estava completa! John Gray, em seu volume autobiográfico de aforismos "Cães de Palha", aventou a hipótese que, se os babuínos, os skinheads entre os primatas, cujo passatempo predileto é o extermínio recíproco organizado, eventualmente dispusessem de um pequeno arsenal nuclear, o sapiens nunca teria chegado ao "topo". A natureza se decidu por uma solução social-democrata e de compromisso com humanos, gorilas e chimpanzés, sua visão gregária e imenso carinho por crianças. A caçada feroz de conhecimento acumulada pelo sapiens em 100.000 anos também é uma longa história da infância e seus brinquedos que nunca nos abandonam, uma história daquele primeiro olhar ingênuo sobre o belo, do primeiro deleite com os sabores e aromas, da primeira história bem contada, como no olhar dessa menina angelical: e como a história continua, "wie geht es weiter", slogan da Expo 2000 de Hannover.
Durante milênios, os processos artísticos sempre acompanharam os desenvolvimentos sociais como uma contra-imagem, negativo ou mesmo "inconsciente" de sua superfície. Até o limiar do século XX, o prestígio e a autoridade da arte, como instituição, sempre foram pautados pela materialidade mesma de seus procedimentos. No entanto, quando a crise do esteticismo, na metade do século XIX, desencadeada pela fotogafia e a subsequente colonização tecnológica do imaginário, como autoreferecialidade crescente dos procedimentos, desconstruía a mitologia romântica do gênio "criador", o assim denominado "titanismo", refluindo ao "mundo das coisas", e colocava em xeque o mimetismo ingênuo da representação, a própria imagem do mundo e suas leis ainda parecia estável e previsível dentro do universo mecânico de Newton, como um velho relógio confiável.
Para se compreender a internalização do tempo na arte desde então e da nova imagem de mundo que ela plasmou, seria necessário recuperar, numa fascinante viagem de 250 anos, a curva histórica das várias mutações dessa subjetividade estética e da imaginação tecnológica por ela engendrada em cada uma dessa estações. Num primeiro momento, ela teve de dividir a tarefa reflexiva com a necessidade de desenvolver um imaginário autônomo, e, ao superar esta primeira linha defensiva, estendeu-se para além dos limites e da segurança sobre o domínio técnico tradicional e seus padrões normativos, conhecido até então como o métier. Contudo, pouco a pouco, a própria idéia de "métier" como uma "reserva", ou mesmo "santuário" artístico da "originalidade" começou a ser relegada a configurações arcaicas, pela integração deste à rotina e às demandas do novo mercado cultural, que, num ritmo crescente, reciclava essa "aura" de autenticidade subjetiva como segunda "natureza". Na época de Baudelaire, quase no limiar da revolução impressionista, aquele titanismo, o "culto ao gênio" e o heroísmo da poesia urbana da Paris radiante das passagens e novos boulevares, eram ainda figurações dessa atividade criativa, que se convertia rapidamente na ideologia de um baixo romantismo, onde a subjetividade, já dissolvida como resíduo em seus contornos, a saber, seu fantasma ou paródia, passava a alimentar as novelas folhetinescas naquele novo mercado que se estratificava na base. Nestas, a busca romântica do "eu" ainda parecia real, mas o verdadeiro "showdown" do titanismo era mesmo o mundo das fantasmagorias de Baudelaire, das novas massas flanando pelas "passagens" e suas vitrines de consumo, do circuito da moda feminina, em que a cultura se transformava em natureza com o beijo de morte do Novo, que é sempre o Eterno Mesmo, mas, sobretudo, no festival dos autômatos, duplos, bonecos e fetiches que se multiplicavam como numa sala de espelhos.
Merovingian, programa autônomo radical "esteticista", discípulo de Stephan Mallarmé e Paul Valéry, tirou as últimas consequências da "casca sonora" das palavras como pura combinatória e jogo musical no Simbolismo. Justamente por sua adesão à materialidade dos signos, sobreviveu a todas as versões anteriores da "Matrix"
O passo seguinte foi ousado pelo Simbolismo, quando o círculo esteticista se fecha na afirmação de uma lírica absoluta e depurada de toda contigência de experiência sensível, como em Valéry e Mallarmé. A subjetividade se investia em sua última tarefa destrutiva: a dissolução da própria voz lírica, desse "eu" mitológico ("aquele que diz eu mente", Valéry) na materialidade objetiva da linguagem e seus limites. Rompendo de vez as fronteiras de uma comunicabilidade imedita, a autoria encontrava o seu termo ao "expropriar-se" definitivamente no silêncio. Foi no firmamento e na constelação da Ursa Maior que Mallarmé assinou seu testamemto literário estrelado.
Essa radicalidade permitiu ao modernismo subsequente sustentar-se na formulação de um discurso crítico universal, rompendo com os limites das cronologias estilísticas. O seu desenvolvimento, multicentrado e simultâneo em todos os continentes, afirmaria o vigor e a relevância, não só das tradições locais, mas romperia, finalmente, a antiga verticalidade colonial, pela própria lógica do desenvolvimento de seus materiais. O "choque do novo" seria a experiência de uma simultaneidade e internacionalização crescentes da experiência estética como nunca se vira antes, sua urgência de atualidade na obra individual e no teatro da política e suas massas. De qualquer maneira, até então, a imagem de raiz da realidade mesma e da autoridade dos clássicos, seu gesto "exemplar", fazia do "cerne das coisas" algo aparentemente sólido. Em outras palavras, a força expressiva da arte decorria, em última instância, da própria fé na consistência do mundo enquanto tal, pelo menos, em escala macroscópica.
Mesmo o velho Fausto de Goethe ainda poderia se perguntar, retoricamente, o que mantém "coesa" a matéria "em seu interior", "was im Inneresten zusammenhaelt", pois Goethe usava ainda combustíveis fósseis para escrever esses versos com lamparina, sem a capacidade de produzir grandes incêndios, como obliterar, em segundos, uma metrópole com a bagatela de 4 ou 5 megatons com um "raid" solitário de um caça "stealth B-117".
você ainda vai querer ter um
Fim do "Prólogo no Céu", mal começou ainda nosso Fausto, pois o contrabando dos isótopos de vida curta da arte está em atraso. (Palmas, assovios, fim da "fábula estética" exemplar, da "obra singular", da "perfomance", do "work in progress", das "instalações" nas "Tamanho não é Sempre Documenta", em Kassel, ou, talvez, "Dadá ou Dedesce.) Na língua alemã, quando te aporrinham, a exclamação é, invariavelmente, "Langweile!": Tedioso! Chato demais! Acordemos dessa Matrix estética para conhecer meu novo Morpheus mexicano, travestido de Mariachi, que vai nos conduzir à Meca dos espíritos pós-modernos e sedentos de diversão barata, como eu, por exemplo.
No deserto de nossa realidade, nesta gigantesca Las Vegas de marcas e outdoors monumentais em que circulamos, somos cada vez mais irrelevantes e abstratos diante de todos os ícones pops de nosso mundo de Macdonalds, e daquilo que um dia fora a tradição crítica do Moderno e das vanguardas históricas, entesouradas nas casamatas museu, fora dos quais a "arte" não encontra mais qualquer oxigênio, já que ela é pura mais-valia, capital puro e a forma mais segura de investimento financeiro, mesmo depois do pequeno Apocalipse nuclear do parágrafo anterior, apenas para romper os impasses da crítica, já que, inclusive, as telas de nossos "hedge fonds" estão a salvo em bunkers subterrâneos. A máscara da morte, ou "Aufhebung" hegeliana ("superação") definitiva do "período da arte" é hoje o sorriso da Monalisa.
"O Moderno é um mito voltado contra si mesmo" ou os novos "Adorníticos"
Neste admirável mundo novo, críticos de arte também não são mais necessários, sequer como guias de museus (faça o download ilegal do DVD na Internet) e muito menos aqueles sabichões nostálgicos e espertos, "outrora" chamados de professores de Literatura, Crítica e sua terra prometida da "experiência autêntica", ou sabe-se lá que tipo de ciência oculta e letras imaginárias, enfim, toda a maquinária acadêmica das legiões de desempregados e analfabetos tecnológicos desepejados no mercado para o abate do subemprego, mas, sobretudo, os que ainda procuram explicar a experiência "moderna"
com o velho enredo do desfile da Escola de Samba dos Franfurtianos, um modelo de crítica cultural elaborado nos anos 40 na América, quando Hollywood tinha 12 grandes estúdios, Carmen Miranda era ainda amiga íntima de Zé Carioca, na era de ouro do rádio os marcianos invadiam New Jersey, nos grandes musicais da Broadway, Fred Astaire desafiava Newton e Judy Garland cantava essa mesma terra prometida com amigos para lá de transviados
Que maravilha poder evocar ainda a genialidade de Walter Benjamin e a experiência "revolucionária" do "choque" da metrópole contemporânea, claro, a Berlim dos anos vinte, quando Marlene Dietrich nem tinha feito "O Jardim de Alá". Não, o "fragmentário" e as "Passagens" não vão nos levar mais a lugar nenhum, salvo a um camelódromo da subcrítica acadêmica. Poucos sabem, no exterior, por exemplo, que existe, em alemão, a expressão "adornitisch", ou "adornítico", um neologismo entre o "alemão-Adorno" e sua sentenciosidade e paleolítico,
a saber, o sentido moralizante e enrijecido de uma crítica epigônica (e o próprio Adorno levantaria do túmulo para dar uma porrada bem dada na fuça de cada um que profana ("besuldelt") seu santo nome como "discípulo autêntico", mesmo aqui na Alemanha, mesmo aqui em Hannover). Adorno não deixou "discípulos", como o Messiah do Moderno, Adorno foi o Mefisto da experiência Moderna, ninguém mais do que ele sabia das aporias do mato sem cachorro sem volta de suas escolhas. Ele não reconheceria jamais um modelo de crítica franchising com seu rótulo, que hoje circula entre o mundo folhetinesco e aqueles clichês univesitários fossilizados em pedra do Carbonífero, fazendo você parecer mais esperto que seu verdadeiro QI de chimpamzé.
O problema não está nem na herança crítica de Adorno e Benjamin, é claro, que se reconheciam rigorosamente como "históricos" e jamais extrapolariam suas estéticas além desses perímetros, mas na religião acadêmica em que se transformaram, ainda mais em países que macaqueiam modas, como se fóssemos ETs captando sinais defasados no éter da história do Moderno.
Viva Las Vegas! ou Me Segura Que Eu Vou Dar um Troço
Como sou uma entidade nascida numa outra era geológica, no auge da Guerra Fria e da Crise de Cuba, quando o mundo se aproximava do "orgasmo" da guerra (Herman Kahn) e quase experimentou a chuva da all-out nuclear retaliation, tenho coragem de assumir aquilo de que realmente gosto, sem pudor. Acho simplesmente maravilhoso poder viver num mundo estético pós-moderno do "anything goes", até dedo no olho, qualquer golpe ou truque estético, é simplesmente maravilhoso poder visitar a Disneyworld e conhecer o Mickey, ou a Disneylândia californiana, cujo castelo da Cinderela é uma cópia fiel do já "kitsch" bávaro Neuschwanstein do melancólico Rei Gay Ludwig II e não sentir culpa nenhuma de se sentir feliz como uma criança
embalado pela estética "camp" romântica de pedalinhos de cisnes, de qualquer maneira, um lugar lindo para passear com a família aos domingos. Sim, com a família. Super, e já estava mais do que na hora de tirar férias da teoria e se divertir em Las Vegas, pois essa gente sisuda, que faz cara e posa de "melancolia" benjaminiana acadêmica me tirou esse prazer por décadas, mas minha hora chegou. Sinceramente, tudo que a gente sonha na vida,
Permanentemente assediado por seus fãs, Laurence Fishburne recorre, muitas vezes, a disfarces inusitados
sobretudo para um diabético, é tomar o último porre de groselha acompanhado do Morpheus Mariachi Mexicano com a verdadeira arte nosso tempo. Lá, Elvis ainda está vivo e, no cassino da arte pós-moderna, você sempre ganha, não importa o lance de Mallarmé e pode conversar com as vacas Milkas nos prados radioativos do CERN, em Genebra.
"O último segredo metafísico, para exprimi-lo de uma maneira simples, é que não existem fronteiras no universo. As fronteiras são ilusões, produtos não da realidade, mas da maneira pela qual traçamos mapas e arrumamos a realidade".
Ken Wilber
Safári Temporal
Dito isto, a expressão "adornítico", que aprendi na "Germânia", de Tacitus, há 15 anos, quando riram da minha cara por saber de cor passagens inteiras da "Teoria Estética", nunca me afastou daquela compreensão infantil, quase visceral, do que fosse o prazer estético, sua aura e ritualidade, já que para mim a assim chamada "autonomia da arte"
e uma visita à churrascaria são quase sinônimos do sagrado, isto é, considero o churrasco um dos produtos estéticos mais refinados da herança humana.
Quando soube da iniciativa do CERN em promover um concurso de arte digital para artistas residentes, a primeira imagem que me ocorreu, de imediato, foram aqueles deliciosos bisões de Altamira em alto-relevo,
tão majestosos e quase que prontos a serem acariciados e degustados num super Big Mac ritual e inesquecível, não aquela marca abstrata e aquelas fritas mixurucas, que nunca correspondem ao cartaz, mas o bisão mágico e real, caçado, preparado e degustado em cada mordida por você mesmo num safari temporal ("Sound of Thunder", Ray Bradbury),
o verdadeiro "Big Mac de Altamira", que faria de qualquer visita a essas casamatas da cultura e suas livrarias, o tal de "museu imaginário do moderno" parecer longa e tediosa com seus "estilos", "escolas", e "modelos", não, isto o cardápio, certamente, não oferece, bem como aquela mão que assina a fulgurante supernova de 1054 no deserto do Novo México e imaginar que, no dia em que a espécie humana deixar de existir,
esses serão os únicos vestígios um pouco abaixo da superfície, como aquela bonequinha na estação do metrô soterrada do "Planeta dos Macacos", pois a crítica de arte não tem sido esse tédio de quebrar a bonequinha apenas para saber de onde vem a música, joguinho chato de gente auto-complacente, será que isto é mais prazeiroso que aquele "Big Mac de Altamira" e todas suas implicações espirituais. Para tanto, seria necessário um safari temporal, e abrir no Cern um buraco de minhoca do tamanho de uma vaca Milka, o que, convenhamos, não será uma tarefa fácil.
Big Science
Mas voltemos àquela "Weltbild", o teatro newtoniano do tempo e do espaço absolutos como pano de fundo da criação, que, na fantasia de Einstein e no seus "Gedankeexperimente", deixou de ser aquele mero cenário decorativo para se tornar o protagonista da "fábrica elástica" da natureza, se, e somente se você pudesse viajar ao lado de um raio de luz.
Foi justamente essa imagem que desencadeou a maior revolução científica produzida por um único cérebro humano. Se... então. Fora apenas o começo. A relatividade geral e a mecânica quântica nos reveleram que não só não havia literalmente quase que "nada" neste cerne das coisas do Dr. Fausto, além da descontinuidade e da incerteza, de uma dualidade contra-intuitiva que nosso cérebro sequer consegue assimilar como "metáfora" entre partículas e comportamento ondulatório, mas que a própria fábrica da natureza é tão elástica de acordo com o regime de massa naquela região, que não há simultaneidade universal e que a gravidade é simplesmente uma propriedade geométrica de seu tecido. Mas o pior ainda estava por vir. Galileu, Darwin e Freud, num intervalo de cinco séculos, haviam minado as centralidades do geocentrismo, da unicidade de nossa espécie como coroamento da natureza e, sobretudo, Freud, este talvez o golpe mais duro e pessoal na espécie, a saber, de que não era mesmo possível confiar na sanidade e responsabilidade de qualquer ser humano, salvo sob as botas de um imenso aparelho repressivo maravilhoso que chamamos de civilização,
que garante as verbas, nos lugares civilizados do planeta, e esta atividade maravilhosa que chamamos de Grande Ciência e grandes laboratórios, onde primatas do tipo humanos, ou sapiens (que gozam de mais de 100.000 anos de relativa calmaria geológica no planeta), empenham-se furiosamente na construção de novas armas nucleares para se exterminarem reciprocamente, sem esquecer, é claro, as novas armas químicas, bacteriológicas e virais, mas agora febrilmente empenhados na "Mãe de Todas as Colisões", na maravilha criogênica de seu supercondutor, no qual as partículas movimentam-se relativisticamente e ganham em massa, muita massa mesmo.
Matrix Revolutions no Paraguai ao Som dos Engenheiros do Hawai
Muito mais perigosos que o agente Smith
Não se trata aqui, também, daquela filosofia pop corn de Matrix do que seja "real" ou "não", daquele "papo cabeça" dos "Engenheiros do Hawaí" e daqueles óculos escuros paraguaios, que supostamenente dão sempre um ar mais inteligente às "grandes questões", uma pergunta que não faz muito sentido nos processos estatísticos que organizam a depuração da tsunami de dados do Grande Colisor, pois, na ciência, não há certeza absoluta. Foram precisos 50 anos e bilhões de dólares, sugados em buracos negros fiscais, para construir essa "catedral do saber" subterrânea, essa nova caverna da Altamira hightec, para atingir esse patamar de energia, que poderá, ou não, fechar o capítulo da Física do século XX. O nobel de 2011 recompensou finalmente os dois times de supernovas 1A, que sequer acreditavam, inicialmente em seus resultados. Na Big Science, as grandes rupturas nem parecem reais à primeira vista depois de décadas e séculos de trabalho. Mas aqueles resultados eram reais no final de 1998, absurdos, mas reais.
Mas qual seria a arte à altura dessa Big Science. A arte não é um "decalque" ou "ornamento" do real, como sabemos, ela possui uma outra lógica e estatuto que chamamos de "autonomia", embora muitas vezes os artistas reivindiquem para si o rótulo de "experimentalidade", o método científico é radicalmente outro por restringir de maneira obsessiva a margem de erro e de acaso, ou seja, a arte trabalha muitas vezes deliberadamente pela entropia de sistemas, diminuindo a tensâo entre os fios da informação útil, enquanto que a ciência tende dimunuir os efeitos dessa perda de informação aproveitável, até que a margem de erro seja considerável aceitável. Além disso, não nos esqueçamos que as vanguardas históricas e sua assimilação posterior no cotidiano banalizaram e rotinizaram, sem retorno, o sentido mesmo do "Novo". Recordemos apenas as primeiras linhas do clássico ensaio de Hans Magnus Enzensberger, de 1961:
"Desde algumas gerações, qualquer um que se dedique a colorir superfícies ou a preencher papéis com letras ou notas musicais, é livre para alinhar-se nas fileiras da vanguarda. Mas nem todo o mundo usou desta faculdade. A quem ousara dar a um autor como Franz Kafka o título de escritor de vanguarda, esta palavra o acusaria de imprudente: Kafka jamais a teria pronunciado. Nem Marcel Proust, nem William Faulkner, nem Bertolt Brecht, nem Samuel Beckett, pelo que sabemos, aplicaram a si este termo que hoje pertence ao vocabulário de qualquer redator de gazetas, sem que nenhum daqueles que o utilizam se tivesse detido para refletir sobre seu sentido, como se fosse inteiramente obvio.
Isto é igualmente válido para os partidários da vanguarda e para seus adversários. Um e outres se diferenciam sómente por seus juízos de valor, e não por suas premissas. Sem nenhuma espécie de crítica, ambos os grupos aceitam um conceito crítico que fez fortuna em Paris há mais de um século e que, a partir de então, tem servido de pedra de toque, sem ser submetido, por seu turno, à nenhuma comprovação, e sem que se lhe tenha exigido alguma justificação.". Ou seja, eis aí o clichê, por definição, da arte moderna como "coisa infantil", bobagem, arraigado no senso comum,
Arte "vaginal", o fantasma da vanguarda permanente como Junk Food em LA
e justamente num mundo prisoneiro da renovação e obsolecência permanentes, o artista se vê obrigado a projetar este fantasma de uma vanguarda eterna e, neste mato sem cachorro, quando pressente a proximidade do fracasso, por exemplo, a recorrer, de maneira banal e irresponsavel, prossegue Enzensberger, como último recurso, à autoridade e "respeitabilidade" da ciência para legimitmar ou eximir sua empreitada de qualquer risco de insucesso. Dessa forma, no mercado da inovação compulsória, qualquer bobagem é logo cunhada como "projeto estético". Projeto em ciência é o Manhattan, o Apollo e, agora, o Grande Colisor do Cern.
Quer uma chupada
Projeto significa a historicidade da ciência, mas tambem a possibilidade de fracasso, coisa que o artista não pode admitir,e acaba travestindo com um outro nome: embuste ou kitsch, não importa, o mercado recicla qualquer coisa, mas, no caso da ciência, que também é humana e cheia de maçãs podres também, a pressão pelo êxito, em muitas áreas, muitas vezes leva à fraude ou falsificação grotesca de resultados.
Não é o caso dos grandes projetos e da Big Science. Décadas mais tarde, retornando às velhas aporias, Enzensberger cunharia uma outra expressão já bem conhecida: o asssim chamado "efeito aspirina". Dissolvida nas malhas do cotidiano, a antes considerada revolucionária "politização da estética" contra a "estetização da política" pelos fascismos, tese clássica de Walter Benjamin em meados dos anos trinta, encerrava seu ciclo no conformismo de um cotidiano estetizado pela publicidade, em que todos são artistas e ninguém, simultaneamente, mais o é, nos anos subsequentes do pós-guerra e do auge arquitetônico do "International Style". O assim chamado acelerado "envelhecimento do Moderno", literalmente, dissolvera e pacificara, como um comprimido efervescente de aspirina, todas as conquistas técnicas do modernismo histórico e das vanguardas no fluido onipresente, nas malhas difusas deste cotidiano, nos quais tanto os maloqueiros pixadores, camelôs rappistas, freadas bruscas, escorregões em casca de banana, como o simples comer batatas fritas e estufá-las com bastante ketchup no Macdonalds é um "ato estético". O ensaio de Enzensberger era centrado na "instituição literária" na sua forma clássica, mas as consequências se aplicavam ao pop inglês e americano de Hamilton ou Rauschenberg, como uma paródia do consumo que a publicidade rapidamente rotinizaria como sua marca registrada. O resto, como sabemos, é história e capitalização pura.
Sozinho no Mundo das Coisas
Quando pensamos no caráter simplesmente monumental do Grande Colisor Hadron com um diâmetro de 27 km e na refinada criogênica em suas entranhas, a primeira questão que nos ocorre é se, não apenas seria possível contrapor uma imagem estética à sua escala mesma, mas sobretudo aos processos tão intricados de interação científica na depuração de seus dados, não a sua estilização, ou miniaturização como um ícone de consumo, mas dos "processos" que ele engendra, a saber, o seu retrato verdadeiro, a sua "alma" como máquina, como na canção do Kraftwerk, sua sinergia não é a força totêmica animal de uma locomotiva a vapor, de um caça hipersônico, ou mesmo de uma espaçonave, mas o "coletivo" de milhares de cientistas espelhados pelo mundo elaborando a tsunami de dados, pois nenhum cérebro é capaz de processá-los, esta seria a verdadeira “alma” do colisor, ou se quisermos recorrer ainda à estética de Walter Benjamin, perfeitamente materialista neste caso, quais seriam as “imagens dialéticas” que ele estaria plasmando, no sentido de que tanto os sonhos como os pesadelos de uma época são igualmente "reais", o que é histórico e utópico estão reciprocamente imbricados, um capítulo da física terá de se fechar, chegue-se ou não a uma prova cientificamente aceitável da existência do campo proposto por Higgs e estamos justamente neste limiar, em que a imaginação científica e matemática elegante de Higgs mistura-se às imagens nebulosas de uma Física que não conhemos ainda. Nesse sentido, o Colisor Hadron encarna todos os dilemas da negatividade do pensamento utópico, não são apenas subpartículas que colidem, mas a própria esperança que essa nova Física encerra com o conteúdo e o limiar do tempo histórico real. Mas de que maneira, a arte, diluída nas porosidades do cotidiano e da publicidade, poderia ser ainda uma ponte metafórica entre os processos estatísticos, a rotina de um laboratório, a própria solidão humana no "mundo das coisas", nas imensas superstruturas, sem parecer uma brincadeira infantil e que nos faça sentir como aqueles simeos, acariciando um monolito antes que ele caia sobre nossas cabeças. Como resistir às soluções fáceis desssa arte “engajada”, aos truques baratos e seus segredos de polichinelo.
Analfabestismo funcional
Mas, afinal, de que maneira a arte poderia ser esta "ponte da amizade" entre a imagem real de um mundo tecnológico e a fantasia individual, quando sabemos que a maioria das pessoas não tem a menor idéia de como este funciona e quais são suas leis fundamentais. Faz um tempo já que pude ver um debate no programna "Roda Viva" com o físico Mario Novello, em que ele afirmava que o ensino de Física no segundo Grau, no Brasil, por exemplo, não tinha avançado, quando muito, além do século XVIII, isto é, para nós que falamos esta língua maravilhosa e conhecida em toda a Via Láctea, compartilhada pela maioria da raças dos OVNIS, o Português, a Fisica ainda é a do velho Newton, do tempo das Reformas Pombalinas.
E olha que o trânsito e seu genocidio no Brasil, e também na maioria dos paises do mundo, só mostra todos os dias o fracasso da educação formal, uma vez que os seres humanos sequer entendem o que seja inércia. Milhares de vida seriam salvas se as aulas de cinemática chegassem à rede pública. Além da Física, Novello referia-se também à propria incapacidade de alfabetizar um ser humano mediano na matemática básica, na verdade, isto implica a dissolução da própria instituição escola no mundo inteiro. No mundo inteiro, a escola fracassa diariamente em alfabetizar as pessoas em suas línguas naturais e o resultado disso, a despeito da explosão da informação on line, é uma legião de crédulos imbecilizados pela boataria dos profissionais da bobagem virtual. Em todas as metrópoles do mundo, as parabólicas , do Cairo, São Paulo, Lima, Toquio, Delhi, Jacarta, Londres, Chicago, Los Angeles o "docutainemt" dos History e Discovery e seus efeitos especiais suprem essa deficiência para este apetite por bobagem na forma de "docutaiment", e "ciência do impossível" (sim, impossível, pois não há dinheiro para isto até o fim do universo) nos anunciam esse mundo maravilhoso, depois de degustar meu Big Mac de Altamira, numa máquina do tempo, ou num safari no Jurássico, vem sempre o que se chama de "Money Shot", em que, mais cedo ou mais tarde, aquele belo platô dos Alpes será engolido com todas as vacas dos chocolates Milkas por um buraco negro sem dentes, até que comece o próximo programa com o time cientfico e suas provas "irrefutaveis" dos "Ufo Hunters", que sempre termina, invariavelmente, assim: "Depois de análises cuidadosas em nossos laboratórios, nosso time chegou à conclusão "científica" de que a "evidência" (péssima tradução) pode ser tanto um artefato alienígena, cocô de cachorro, ou o que sobrou da última coleta de lixo aqui da produção." O problema, é claro, não está no formato dos programas e no talento incontestável de seus atores, o History vende entretenimento, diversão, por sinal de ótima qualidade, que não pode ser confundida com conhecimento formal, mas na incapacidade mesma de seus espectadores, com noções rudimentares de ciência, de se movimentarem entre as fronteiras do residuos da colonização imaginária da centenas de filmes B armazenados em seu inconsciente e a grande realidade "lá fora", "out there" sem ajuda dos agentes Scully, em saber distinguir aqueles detritos de filmes vistos e fatos, a saber, consultar o diário oficial para saber para onde estão indo as verbas de pesquisa. Aconselho a todos irem à Plataforma Lattes e conferiram o que se faz com o dinheiro público com pesquisas em literatura! É muito mais fantástico que o "Arquivo X". É quase que poesia pura comparar os nomes das pesquisas ao valor exorbitante de reais investidos. Que maldade a minha, aí então, você verá o verdadeiro "redshift" das humanidades tradicionais da Grande Ciência real, mais do que 7, certamente, a "Big Science" transfigurada por Laurie Anderson. Essa digressão visa a enfatizar não apenas que a arte vem a reboque desse novo paradigma da sociedade do conhecimento, mas as humanidades começam a se tornar literatura fantástica no mundo inteiro, máquinas de desempregados e analfabetos tecnológicos, diante de tantas revoluções científicas e tecnológicas que se atropelam e não é com a física de Newton que o egresso do Segundo Grau poderá entender o campo de Higgs. É como se a legião desses jovens rapazes e moças, seduzidos pelo canto de sereia da literatura e das artes, perdesse a grande festa de arromba que está rolando. Uma outra coisa vem me chocando. Além da universidade em humanidades ser autoritária em sua hierarquia em qualquer lugar do mundo sem exceção, refugiando-se na empáfia e arrogância, as pessoas que conheci há 20 ou 30 anos, nesse campo, não parecem sequer demonstrar a menor vergonha de sua ignorância diante desta nova idade do ouro da Astrofísica, nenhum sentimento de culpa, nada, nadinha, de não saber sequer o que seja a CMB, ou mesmo o que esteja em jogo em Genebra, o que muda quando você tem um filho e lhe deseja recompensar com todos estes novos tesouros
É uma enorme tragédia, já que a própria instuição escolar vem se desfazendo e teóricos pessimistas prevêem um futuro sombrio em que a maioria vai se alimentar com a informação lixo residual na net. A informação de qualidade é caríssima, sempre foi, e se tornará cada vez mais escassa. Neste mundo de desemprego tecnológico, os órfãos das humanidades terão toda a eternidade para assisterem as bobagens ufológicas até serem, finalmente, abduzidos, por esses grays analfabetos, que viajam trilhões de kilometros e nem sabem estacionar um disco voador no meio do deserto: pimba! Eu estava escrevendo este ensaio quando, na semana passada, um doido de carteirinha, apareceu no Cern dizendo ser um "passageiro do futuro". Brian Cox, o garotão propaganda boa pinta do Departamento de PR e da BBC, retrucou com ironia inglesa: "Pelo menos ele não disse nada a respeito de sair de um buraco negro!"
"Nunca uma máquina, por mais perfeita que seja, substituíra um homem genial."
André Jolivet
Os "niilistas", primos pobres do Kraftwerk, não acreditam nem na arte nem na ciência, nem no próprio álbum
"Hier spricht die Stimme der Energie
Ich bin ein riesiger elektrischer Generator
Ich liefere Ihnen Licht und Kraft
Und ermoegliche es Ihnen Sprache, Musik und Bild
Durch den Aether auszusenden und zu empfangen
Ich bin Ihr Diener und Ihr Herr zugleich
Deshalb huetet mich gut
Mich, den Genius der Energie
(= This is the Voice of Energy
I am a giant electrical generator
I supply you with light and power
And I enable you to receive Speech,
Music and Image through the Ether
I am your servant and lord at the same time
Therefore guard me well
Me, the genius of Energy"
Imaginação tecnológica
O pathos deliberadamente retrofuturista dessa canção do Kraftwerk, inclusive por sua menção ao “ether”, em princípio termo alemão usual para o meio no qual se propagam ondas eletromagnéticas, mas também um anacronismo anterior à relatividade especial, já que o éter imaginário nunca existiu como obstáculo, como provaria o experimento Michelson-Morley, poderia muito bem ser essa perspectiva totalizante, que vai do olhar às estrelas (“Space Lab”) até o microcosmo na simbiose crescente entre homem e máquina. Portanto, a canção do Grande Colisor já fora escrita, assim como a vanguarda é letra morta há mais de sessenta anos. Já na Expo 2000, os veteranos "beach boys" de Duesseldorf parecem já ter escrito há muito o abcedário do futuro do passado, mesmo que hoje seus robôs sejam carecas, tenham artrite, mas seus descendentes, estes sim, acabaram com a indústria alemã, transferindo a linha de produção para São Paulo e Bratislava. Ah, esses robôs de primeira geração e suas vozinhas metálicas ou mesmo suaves como a de Hal! De qualquer forma, o velho fantasma do futuro assombrou mais uma vez o festival de "Ars Electronica", de 31 de agosto até 6 de setembro, ao procurar encenar essa achim chamada "colizão" de imaginação estética e física, como um "big bang de idéias", um novo evangelho do "Cântico dos Quânticos".
Mas o que realmente se viu estava muito aquém desta retórica inflacionada, como uma instalação literalmente feita de mijo a ser remetida como nosso mensageiro para as estrelas. Sim, sem brincadeira, mijo humano mesmo para quem quiser provar. E, como resultado magnífico também dessa “Mãe de Todas as Colizões” imaginárias, um instrumento musical para manetas, mistura de sangue humano com plasma equino e alguém teve a excelente idéia de solicitar a crianças para pintar ou desenhar alguma coisa, a única sacada genial em tudo. O próprio slogan já denotava a incapacidade de seus organizadores de mapear um conceito liquidado: “tudo começou à procura do Novo". Novo não tem sentido mais nenhum, novo não é a simultaneidade, a atualidade, nada mais que um rótulo vazio. Crianças acreditam em fantasmas e monstros papões, mas de uma maneira diferente que adultos acreditam em fábulas de ets grays sem vergonha sempre prontos para uma escapadela casual sem deixar o telefone depois. A impressão que se tem é que as pessoas perderam há muito a noção histórica real do Novo para nos aborrecer com essa estratégia de PR e o Cern poderia ter contratado uma grande campanha de publicidade com resultados melhores. O spot da Expo 2000 de Hannover, que abriu meu post como um olhar infantil, é uma caçada real que se virtualiza e termina com a pergunta mais difícil, a única pergunta que somente uma criança seria capaz de formular: como continua a história, "wie geht es weiter", diz mais que tudo isto. Alguém precisa perguntar: que Física virá depois, com ou sem o campo de Higgs, como ficarão as constantes da natureza, a caçada a este campo e o modelo padrão estão atingindo um limiar histórico, como Newton no início do século XX.
É um grande privilégio viver numa época assim, mas precisamos desromantizar a ciência e entendê-la na sua dimensão real cotidiana e burocrática, anti-heróica também
Apenas como mais um parêntese. O Cern vincula a apreciação dessas novas “idéas estéticas” ao mais do que politicamente correto clichê anti-atômico, de que a indústria nuclear e seus magnatas seja uma filial do inferno. O preconceito tolo das pessoas jovens desde os anos sessenta contra a energia nuclear faz parte já de um velho imaginário romântico, uma fantasma que assombra e se rematerializa na cultura ocidental em ciclos a cada 30 ou 40 anos,
à sombra do qual acidente do Fukushima parece ser mais uma confirmação, e se o próprio CERN foi arquitetado na época de ouro da fé numa nova era nuclear, o que se tem tem hoje é o mingau requentado de uma crítica políticamente correta subromântica, cuja “àrte” somente pode ser uma piada de mau gosto, seja na publicidade, ou na aura de santidade das ONGs da vida, pois nenhuma dessas imagens oferece qualquer alternativa de um futuro energético realista para a espécie humana. O mais irritante neste kitsch político é que tanto verdes e ambietalistas há muito reivindicam o monopólio da verdade no mercado político e de serem a única alternativa à energia nuclear, quando, na verdade, a nossa civilização já está de antemão condenada, enquanto estiver ainda presa a uma visão romântica e auto-complacente da natureza. O poema clássico do maior poeta anti-romântico alemão Hans Magnus Enzensberger chama-se justamente “Em defesa dos Lobos contra seus Defensores”, a saber, uma imagem dialética, uma imagem que critica aquilo do qual se afasta. Talvez num futuro remoto, se houver futuro humano, é claro, haja uma dificuldade em se entender porque acreditamos, por tanto tempo, em nossas próprias fantasias quando jé era tarde, assim como não entendemos mais hoje o abismo do conhecimento matemático, astronômico e científico que vai de Alexandria até Galileu.
Outra coisa importante: Ninguém se torna um grande artista automaticamente porque fala das grandes questões e esta à altura do pathos de seu tempo. Todos nós somos um retalho de anacronismos, e carregamos uma herança de milhares de anos e épocas distintas. Embora o mundo seja seguro, reagimos sempre como se um leão nos estivesse atacando, ofegantes como no spot, mas temos antibióticos. Grandes artistas mordem o nervo historico não por suas intenções deliberadas, mas quase que, por acaso, por aquilo que sua arte silencia, quando abrem a caixa de pandora com ironia. Quem não se Lembra do início de “A Vida de Brian”, de Monty Pynthon e do Sermão da Montanha. Os pynthons queriam desconstruir o clichê do filme biblico padrão do sistema de estúdios no final dos cinquenta em que sempre se "fala baixo" e de maneira solene, respeitosa, como que dizendo, “vejam só, este é um tempo importante e nestes tempos importantes da aparição do Messias todos devem falar baixo, e lá comeca a história com alguém gritando: "Fala mais alto!". Não é só engraçado, é genial.
O Python demonstra um respeito colossal pela fé alheia como coisa privada, mas não perdoa o fanatismo, a intolerância e a história conflituosa do grupo com a BBC é um exemplo de como o politicamente correto é sempre inimigo da arte. Em outras palavras, o Cern não precisa também da "autoridade" da arte para ser o que é em si, legitimar sua visibilidade social, pois, na verdade, o que busca, em última instância é independente de nós humanos, embora as aplicações sociais e econônicas de suas árduas conquistas seja decisiva para o futuro imediato de nossa espécie. As verdades científicas elementares são muito estranhas a nós humanos, o que não significa, também, que seus pesquisadores não sonhem, ou pensem muitas vezes em termos estéticos, projetando suas expectativas nesta empreitada, como qualquer ser humano. São os sonhos e o fermento utópico desta máquina quase que perfeita que estão sendo agora invocados, como a velha crítica de Walter Benjamin ao Falanstério
e ao sonho de todas as máquinas humanas, de todas as formas de engenharia social que se revelaram, também, uma pesadelo absoluto, como o socialismo realmente existente, o nacional socialismo e seu culto`ao maquinário. Pois, na verdade, muitos de seus pesquisadores querem acreditar que o modelo padrão, pelo qual lutam, seja verdadeiro, porque, necessariamente, também seja belo. Eis mais um paradoxo a se acrescentar aos demais. Mas pode não ser o caso. Um dos sonhos infantis que o Grande Colisor desperta é inverter a seta do tempo, o que é impossivel neste universo, como sabemos. No meu caso, suspiro pelo encontro no safari temporal com os bisões reais de Altamira no prado da eternidade, claro e das vacas Milkas também. Mais falta alguém importante lá em Genebra, de quem a Nasa não se esqueceu. Laurie Anderson foi a primeira artista residente da Nasa, agraciada pela sua sensibilidade tecnológica.
A cegueira kafkiana da experiência contemporânea
Laurie Anderson é o sorriso da Monalisa quântica e a experssao mais sofisticada de um ser humano que entra neste novo mundo solitário, puramente relacional, sem ter medo ou vergonha, o submundo da guerra eletrônica e da informação pura em que o inimgo é apenas uma abtração, bombardeiros quase que invisíveis stealth assombram os radares, mas um mundo de olhares que nunca se encontram, na sala de espelhos da consciência estética, como na canção do Kraftwerk “The Hall of Mirrors”. No mundo de Laurie Anderson, nenhuma obra poderia ser chamada nominalmente de o “Boson de Higgs”, pois, neste, os nomes não foram ainda atribuídos, nele, há apenas uma malha relacional. O Bóson de Higgs é um "campo", uma “ausência”, descrita matematicamente, e se a imprensa avança expressões fantásticas e kitsch como a “partícula de Deus”, isto é apenas mais um sintoma do distúrbio de nossa consciência, pois neste universo estético de Laurie Anderson não existe nem Deus, nem causalidade linear, nem o heroísmo romântico, mas simplesmnte uma rede, uma malha difusa de relações, um teatro Kabuki da imaginação em que a imagem é a imagem de uma imagem até a regressão infinita. Quando perguntaram certa vez a Mallarmé o que era a poesia, ele retrucou que era a rosa que faltava em todos os buquês.
Esta é a rosa de Anderson, a rosa da ausência, sem nome, a que sempre vai faltar na série e o genuíno "gestus" artístico é indicar, dirigir o olhar a esse vazio. Neste universo pós-kantiano do arco íris da gravidade, a única motricidade fantamagórica na origem de tudo é a loucura e a paranóia da dissolução da consciência. Por este mesmo motivo, Anderson é uma supernova estética que acredita na singularidade única do humano e deveria abrir uma lanchonete virtual cheia de bisões encantados e vacas Milka, com as quais converso nas minhas crises diabéticas e asseguro: elas são tão azuis como na embalagem. Termino minha longa ruminação digressiva afirmando que somos ainda biologicamente os caçadores de Altamira e do spot de abertura na caverna platônica de nosso imaginário, e se o Cern nos convida a um exercício digital, temos de ter a coragem de pisar nesta nova dimensão.
Para aqueles que quiserem se inscrever como artista residente
http://www.aec.at/prix/collide/
Escultura do britânico Antony Gormley doada ao CERN
Josef Kristofoletti
Minha contribuição estética ao CERN Instalação Chamada Vacas Milka Vitaminadas com Estrônico e Bisões de Altamira no Horizonte de Eventos em coma diabético rumo à singularidade nua
Vom Cern der Dinge Ars Electronica 2011
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