Friday, 18 November 2011
Poesia e Composição - A Inspiração e o Trabalho de Arte, João Cabral de Melo Neto (Versão Integral)
Posted on 01:19 by Unknown
(Conferência pronunciada na Biblioteca de São Paulo, em 13.11.52,no curso de Poética)
A composição que para uns é o alto de aprisionar a poesia no poema e para outros o de elaborar a poesia em poema; que para uns é o momento inexplicável de um achado e para outros as horas enormes de uma procura, segundo uns e outros se aproximem dos extremos a que se pode levar o enunciado desta conversa, a composição é, hoje em dia, assunto por demais complexo e falar da composição tarefa agora dificilima, se quem fala preza, em algum medida a objetividade.
Não digo isso somente por me lembrar das dificuldades que podem resultar da falta de documentação sobre o trabalho de composição da grande maioria dos poetas. O ato do poema é um ato íntimo, solitário, que se passa sem testemunhas. Nos poetas daquela família para quem a composição é procura, existe como que o pudor de se referir aos momentos em que, diante do papel em branco exercita sua força. Porque eles sabem de que é feita essa força - é feita de mil fracassos, de truques de que ninguém deve saber, de concessões ao fácil de soluções insatisfatórias, de aceitação resignada do pouco que se é capaz de conseguir e de renuncia ao que, de partida, se desejou conseguir.
No que diz respeito a outra família de poetas, a dos que encontram a poesia, se não é a humildade ou o pudor que os fazem calar, a verdade é que pouco tem a dizer sobre a composição. Os poemas neles são de iniciativa da poesia. Brotam, caem, mais do que se compõem. E o ato de escrever o poema, que neles se limita quase ao ato de registrar a voz que os surpreende, é um ato mínimo, rápido, em que o poeta se apaga para melhor ouvir a voz descida, se faz passivo para que, na captura, não se derrame de todo esse pássaro fluído.
A dificuldade maior, porém, não está aí. está em que, dentro das condições da literatura de hoje, é impossível generalizar e apresentar um juízo de valor. É impossível propor um tipo de composição que seja perfeitamente representativo do poema moderno e capaz de contribuir para a realização daquilo que se exige modernamente de um poema. A dificuldade que existe neste terreno é da mesma natureza da contradição que existe, hoje em dia, na base de toda atividade critica.
Na verdade, a ausência de um conceito de literatura, de um gosto universal, determinados pela necessidade - ou exigência - dos homens para quem se faz a literatura vieram transformar a crítica numa atividade tão individualista quanto a criação propriamente. isto é, vieram transforma-la no que ela é hoje, antes de tudo, - a atividade incompreensiva por excelência. A critica que insiste em empregar um padrão de julgamento é incapaz de apreciar mais do que um pequeníssimo setor das obras que se publicam - aquele em que esses padrões possam ter alguma validade. E a crítica que não se quer submeter a nenhum tem de renunciar a qualquer tentativa de julgamento. Tem de limitar-se ao critério de sua sensibilidade, e sua sensibilidade é também uma pequena zona, capaz de apreender o que a atinge, mas incapaz de raciocinar claramente sobre o que foi capaz de atingi-la.
Nas épocas de validade de padrões universais de julgamento, nessas épocas felizes em que e possível circular "poéticas" e "retóricas", a composição é um dos campos preferentes da atividade crítica. Então, pode o crítico falar também de técnica, pois que há uma gera, pode dizer da legitimidade ou não de uma palavra ou de seu plural, pois que a crítico é o melhor interprete da necessidade que determina tal obra e a função crítica se exerce em função de tal necessidade. A ele cabe verificar se a composição obedeceu a determinadas normas, não porque a poesia tenha de ser forçosamente uma luta como a norma mas porque a norma foi estabelecida para assegurar a satisfação da necessidade. O que sai da norma é energia perdida, porque diminui e pode destruir a força de comunicação da obra realizada.
É evidente que numa literatura como a de hoje, que parece haver substituído a preocupação de comunicar pela preocupação de exprimir-se, anulando, do momento da composição, a contraparte do autor na relação literária, que é o leitor e sua necessidade, a existência de uma teoria da composição é inconcebível. O autor de hoje trabalha à sua maneira, à maneira que ele considera mais conveniente à sua expressão pessoal.
Do mesmo modo que ele cria sua mitologia e sua linguagem pessoal, ele cria as leis de sua composição. Do mesmo modo que ele cria seu tipo de poema, ele cria seu conceito de poema, e a partir daí, seu conceito de poesia, de literatura, de arte. Cada poeta tem sua poética. Ele não está obrigado a obedecer a nenhuma regra, nem mesmo aquelas que em determinado momento ele mesmo criou, nem a sintonizar seu poema a nenhuma sensibilidade diversa da sua. O que se espera dele, hoje, é que não se pareça a ninguém, que contribua com uma expressão original. por isso, ele procura realizar sua obra não com o que nele é comum a todos os homens, com a vida que ele, na rua, compartilha com todos os homens, mas com o que nele é mais íntimo e pessoal, privado, diverso de todos. Para empregar uma palavra bastante corrente na vida literária de agora, o que se exige de cada artista é que ele transmita aquilo que em si mesmo é o mais autentico, e sua autenticidade será reconhecida na medida em que não se identifique com nenhuma expressão já conhecida. Não é preciso lembrar que, para atingir essa expressão pessoal, todos os direitos lhe são concedidos de boa vontade.
Esta é a razão principal que faz difícil, ou impossível, abordar o problema da composição do mesmo ponto de vista com que se abordava na época da tragédia clássica, o problema das três unidades. Não vejo como se passa definir a composição moderna, isto é a composição representativa do poema moderno. qualquer esforço nessa direção me parece vazia de sentido. Porque ou proporia um sistema, talvez bastante conseqüente mas perfeitamente limitado, sem aplicação possível a mais do que à pequena família de poetas que por acaso coincidisse com seus postulados, ou se veria condenado ao simples trabalho de catalogação - espécie de enciclopédia - das inúmeras composições antagônicas que convivem hoje, definiveis apenas pelo lado do avesso - por sua impassibilidade de definição.
A composição literária oscila permanentemente entre os dois pontos externos a que é possível levar as idéias de inspiração e trabalho de arte. De certa maneira, cada solução que ocorre a um poeta é lograda com a preponderância de um ou outro desses elementos. Mas essencialmente essas duas maneiras de fazer não se opõem. Se uma solução é obtida espontaneamente, como presente dos deuses ou se ela é obtida após uma elaboração demorada, como conquista dos homens, o fato mais importante permanece: são ambas conquistas de homem, de um homem tolerante ou rigoroso, de um homem rico de ressonância ou de um homem pobre de ressonâncias. Por este lado, ambas as idéias se confundem, isto é, ambas visam à criação de uma obra com elementos da experiência de um homem . E embora elas se distinguam no que diz respeito maneira como essa experiência se encarna, essa disttinção é acidental - pois a prática, e através dela o domínio técnico, tende a reduzir o que na espontaneidade parece domínio do misterioso e a destruir o caráter de coisa ocasional com que surgem aos poetas certos temas ou certas associações de palavras.
O que observamos no trabalho de criação de cada artista individual, pode ser observado também na história da literatura - ela também parece desenvolver-se numa permanente oscilação entre a preponderância de uma ou outra dessas idéias. Não quero dizer com isso que vejo na luta entre essas idéias o motor da história literária. Apenas quero dizer que a composição é um domínio extremamente sensível no qual prontamente repercutem as transformações que ocorrem na história literária. isto é - a predominância de um ou outro desses conceitos, o fato de que se aproximem ou se afastem, suas tendências a confundir-se ou a polarizar-se são determinados pelo conjunto de valores que cada época traz em seu bojo. Quanto à nossa época, sua originalidade parece estar em que a polarização mostra-se maior do que nunca e em que, no lugar da preponderância de uma ou outra dessas idéias, presenciamos à coexistência de uma infinidade de atitudes intermediárias, organizando-se a partir das posições mais extremas a que já se chegou na história da composição artística.
Não estou esquecido de que, neste assunto, temos de levar em conta um fator importantíssimo - a psicologia pessoal de cada autor. É inegável que existem autores fáceis, cujo interesse estará sempre em identificar facilidade com inspiração, e autores difíceis, pouco expontâneos, para quem a preocupação formal é uma condição de existência. E é inegável também que a disposição psicológica de cada autor, ou melhor, o fato de pertencer a uma ou outra dessas famílias, tem de refletir-se não só nas qualidades propriamente artísticas de sua poesia, mas, sobretudo, na sua concepção de poesia e de arte poética. Não será inexata a descrição de um autor difícil como um autor que desconfia de tudo o que lhe vem espontaneamente e para quem tudo o que lhe vem espontaneamente sua como era da voz de alguém. Por outro lado, o autor expontâneo verá sempre os trabalhos de composição como alguma coisa inferior, ou mesmo sacrílega, e a menor mudança de palavras como alguma coisa que compromete o poema de irremediável falsidade.
Esses traços psicológicos são um fator importante, não há dúvida, e em nosso tempo, um fator primordial. mas a verdade é que eles tendem a confundir-se se literatura de determinada época corresponde a uma visão estética comum. Nesses momentos de equilíbrio - entre os quais não poderemos em absoluto colocar nosso tempo - esses traços pessoais não tem força suficiente para se constituírem em "teoria" da composição de seus autores, como se dá hoje. ela é estabelecida por meia de uma dupla relação - de autor a leitor de leitor a autor. O temperamento natural do autor, conforme a exigência da época, terá de ser mais ou menos subordinado, mais ou menos dominado. Mas ele jamais será ponto de partida: será sempre uma influência incômoda contra a qual o autor tem de lutar.
Em nosso tempo, como não existe um pensamento estético universal, as tendências pessoais procuram se afirmar, todo poderosas, e a polarização entre as idéias de inspiração e trabalho de arte se acentua. Como a expressão pessoal está em primeiro lugar, não só tudo o que possa coibi-la deve ser combatido, como principalmente, tudo o que possa faze-la menos absolutamente pessoal. A inspiração e o trabalho de arte extremos são defendidos ou condenados em nome do mesmo princípio. É em nome da expressão pessoal, e para logra-la, que se valoriza a escrita automática e é ainda em nome da expressão pessoal que se defende a absoluta primazia do trabalho intelectual na criação, levado a um ponto tal que o próprio fazer passa a justificar-se por si só, e torna-se mais importante do que a coisa a fazer.
Por tudo isso, se quisermos falar das idéias que prevalecem hoje em matéria de composição literária, temos de partir da consideração dos fatores pessoais. Podemos verificar que o conceito de composição de cada artista, da mesma maneira que seu conceito de poema, é determinado pela sua maneira pessoal de trabalhar. Libera datando da regra, que lhe parece, e com razão, perfeitamente sem sentido, porque nada parece justificar a regra que lhe propõem as academias, o jovem autor começa a escrever instintivamente, como uma planta cresce. Naturalmente, ele será ou não um homem tolerante consigo mesmo, e esse homem que existe nele vai determinar se o autor será ou não um autor rigoroso, se pensará em termos de poesia ou em termos de arte, se confiará `a sua espontaneidade ou se desconfiará de tudo o que não tenha submetido antes a uma elaboração cuidadosa.
O espetáculo da sociedade aparecerá a esse jovem autor coisa muito confusa e ele não saberá descobrir, nela, a direção do vento. Por isso, preferirá recorrer ao espetáculo da literatura. A partir da vida literária que se está fazendo no momento, ele fundará sua poesia. O confrade lhe é mais real do que o leitor. ora, no espetáculo dessa vida literária ele pode encontrar autores justificando todas as suas inclinações pessoais, críticos para teorizar sobre sua preguiça ou sua minúcia obsessiva, grupos de artistas com que identificar-se e a partir de cujo gosto condenar todo o resto. Aí começa a descoberta de sua literatura pessoal. Essa descoberta é curiosa de acompanhar-se. Primeiro, o jovem autor vai procurando-se entre os autores de sue tempo, identificando-se primeiro com uma tendência, depois com um pequeno grupo já de orientação bem definida, depois com o que ele considera o seu autor, até o dia em que possa dar expressão ao que nele é diferente também desse seu autor. É então neste momento, em que depois da volta ao mundo se redescobre com uma nova consciência, a consciência do que o distingue, do que nele é autêntico, consciência formada a custa da eliminação de tudo o que ele pode localizar em outros, que o jovem autor pensa ter desençavado aquele material especialíssimo, e exclusivo, com que construir a sua literatura.
Já que é impossível apresentar um tipo ideal de composição, perfeitamente válido para o poema moderno e capaz de contribuir para a realização do que se exige modernamente de um poema, temos de nos limitar ao estudo do que as idéias opostas de inspiração e trabalho artístico trouxeram à poesia de hoje. Na literatura atual, a polarização entre essas idéias chegou a seus pontos mais extremos e é a partir desses extremos que se organizam as idéias hoje correntes sobre composição. Também cab3e salientar que essas posições extremas não estão ocupadas por um só conceito de inspiração e por uma só atitude radical de trabalho de arte. A inspiração será identificada por uns como uma presença sobrenatural - literalmente - e a inspiração pode ser localizada por debaixo das justificações científicas para o ditado absoluto do inconsciente. Trabalho de arte pode valer a atividade material e quase de joalheria de construir como palavras pequenos objetos para adorno das inteligências sutis e pode significar a criação absoluta, em que as exigências e as vicissitudes do trabalho são o único criador da obra de arte.
É a partir desses pontos extremos que tentaremos esboçar as idéias que prevalecem hoje a respeito da composição literária.
No autor que aceita a prepoderância da inspiração o poema e, em regra geral, a tradução de uma experiência direta. O poema é o éco, muitas vezes imediato, dessa experiência. É a maneira que tem o poeta de reagir à experiência. O poema traduz a experiência, transcreve, transmite a experiência. Ele é então como um resíduo e neste caso é exato empregar a expressão "transmissor" de poesia. Por outro lado, o que também caracteriza essa experiência é o fato de ser única. Ela ou é expressada no poema, confessada por meio dele, ou desaparece. A experiência, nesse tipo de poetas, cria o estado de exaltação (ou de depressão) de que ele necessita para ser compelido a escrever. Geralmente, esses poemas não tem um tema objetivo, exterior. São a cristalização de um momento, de um estado de espírito. São um corte no tempo ou um corte num assunto. Porque se em alguma circunstância ele vier a ser provocado por um tema e se cristalizar em torno de um tema, podereis observar que ele jamais abarcará esse mesmo tema, completa e sistematicamente. Do assunto ou do tema, ele mostrará apenas um aspeto particular, o aspecto que naquele momento foi iluminado por aquela experiência.
Quase sempre, tais poemas são mal construídos. Sua estrutura não nos parece orgânica. O poema ora parece corta-se ao meio, ora parece levar em si dois poemas perfeitamente delimitados, ora três, ora muitos poemas. A Experiência vivida não é elaborada artisticamente. Sua transcrição é anárquica porque parece reproduzir a experiência como ela se deu, ou quase. E uma experiência dessa ordem jamais se organizará dentro das regras próprias da obra artística. em tais autores o trabalho artístico é superficial. Ele se limita quase sempre ao retoque posterior ao momento da criação. Quase nunca esse retoque vai além da mudança de uma expressão ou de uma palavra, jamais atingindo o ritmo geral ou a estrutura do poema.
É comum a tendência de querer condenar tais poetas jogando-lhes as acusações de preguiça ou incapacidade ou falta de gosto artístico. Em geral, essas criticas são injustas. Tais autores não colocam o contrário desses defeitos entre as qualidades de um poema. Eles jamais pretendem criar um objeto artístico, capaz de provocar no leitor um efeito previsto e perfeitamente controlado pelo criado. A poesia para eles é um estado subjetivo pelo qual certas pessoas podem passar e que é necessário captar, tão fielmente quanto possível. Tão fielmente, isto e, tentando reproduzir a impressão por que passaram. Para eles, o trabalho de organizar essa impressão só poderia prejudicar sua autenticidade. Nesse texto elaborado, o poeta já não reconheceria a experiência por que passou e apartir dai concluiria que o leitor também não poderia perceber. A existência objetiva do poema, como obra de arte, não tem sentido para ele. O poema é um depoimento e quanto mais direto, quanto mais próximo do estado que o determinou, melhor estará. A obra é um simples transmissor, um pobre transmissor, o deio inferior que ele tem de dar a conhecer uma pequena parte da poesia que é capaz de vir habitá-lo.
Para o autor é tudo. É o autor que ele comunica por debaixo do texto. Quer que o leitor sirva-se do texto para recompor a experiência como um animal pré-histórico é recomposto a partir de um pequeno osso. A poesia deles é quase sempre indireta. Ela não propõe ao leitor um objeto capaz de lhe provocar uma emoção definida. O poema desses poetas é o resíduo de sua experiêcnia e exige do leitor que, a partir daquele resíduo se esforce para colocar-se dentro da experiência original.
Essa espécie de poesia geralmente, e hoje em dia sobretudo, atinge mais facilmente o leitor. Ela é escrita em linguagem corrente, não por amor à linguagem corrente, mas como um resultado de sua pouca elaboração. Também porque é pouco elaborada ela desdenha completamente os efeitos formais e tudo o que faça apelo ao esforço e à inteligência. Por outro lado, o tom nela é essencial. É através do tom, de suas qualidades musicais, e não qualidades intelectuais ou plásticas, que ela tenta reproduzir o estado de espírito em que foi criada. Muitas vezes, mais do que pelas palavras é pela entonação que o autor penetra em sua atmosfera. É uma poesia que se lê mais com a distração do que com a atenção, em que o leitor mais desliza sobre as palavras do que as absorve. Vagamente, para captar das palavras, sua música. É uma poesia para se lida mais do que para ser relida.
A literatura contemporânea essa atitude veio trazer um desprezo considerável pelos aspectos propriamente artísticos da poesia. Ela é completamente incapaz de dar à obra de arte certas qualidades como proporção objetividade. Ela é desequilibrada como a experiência que diretamente transmite e pelo que é a funcionalidade do trabalho de arte, isto é, todos os recursos de que a inteligência ou a técnica pode servir-se para intensificar a emoção, é deixada de lado. Esse sentido do trabalho artístico é inconcebível para ela. Toda interferência intelectual lhe parece baixa interferência humana naquilo que imaginam quase divino. Outro aspecto importante a que visa o trabalho artístico, a saber, o de desligar o poema de seu criador, dando-lhe uma vida objetiva independente, uma validade que para ser percebida dispensa qualquer referência posterior a pessoa de seu criador às circunstâncias de sua criação, tudo isso lhe é completamente inimigo. Neles o poema não se desliga completamente de seu autor.
Esse traço aliás pode ser facilmente observado hoje em dia. Mais do que nunca temos o escritor que se dá em espetáculo juntamente com sua obra. Às vezes mais diretamente do que em sua obra - por fora de sua obra. Como o valor essencial da obra é a expressão de uma personalidade, como a obra será tanto mais forte quanto mais exclusiva a personalidade nela presente, o indivíduo que escreve tende a suplantar em interesse a coisa escrita. O que se procura é o homem raro, teem-se homens. Esta claro que nesse tipo de escritores vamos encontrar todos os adeptos da sinceridade e da autenticidade a qualquer preço, para quem essas palavras significam cinismo e deformação, vamos encontrar os órbido, os místicos, os invertidos, os irracionalistas e todas as formas de desespero com que um grande número de intelectuais de hoje fazem sua profissão de descrença no homem.
A predominância do conceito de inspiração podemos atribuir a responsabilidade de uma atitude bastante comum na literatura de hoje, particularmente na literatura brasileira. É a atitude do poeta que espera que o poema aconteça sem jamais força-lo a "desprender-se do limbo". De certo modo se pode afirmar que quase toda a poesia que se escreve hoje no Brasil, ou a parte mais numerosa dela, é uma poesia bissexta, e que se perdeu completamente o gosto pelo poema que não seja de circunstância. não falo de poemas refletindo a circunstância ambiente, mas de poemas determinados por uma circunstância fortuita na vida no autor. Esse conceito de circunstância geralmente põe em movimento as zonas mais limitadamente pessoais do poeta. A atitude deste é sempre a espera de que o poema se de, de que se ofereça, com seu tema e sua forma. Essa atitude pode ser encontrada até nos poetas que mais conscientemente dirigem a escrita de seu poema. Eles dirigem seu poema, a feitura do poema que a circunstância lhe dita. Jamais dirigem o motivo de seu poema, jamais se impõem o poema. O que desejam, e esperam, é o poema absolutamente necessário que se propõe com uma tal urgência que é impossível fugir-lhe. Isto poderia ser uma definição do poeta bissexto, em quem as reservas de experiências parecem mínimas e que jamais pode encontrar em si mesmo o material com que construir os poemas que a necessidade do homem lhe ordene.
Daí - e esta é uma consequência também da predominância da teoria da inspiração - advêm, sobretudo entre os poetas, uma certa repulsa ao sentido profissional da literatura. Esta palavra profissional não está muito bem empregada aqui. Mas a continuação pode aclarar o meu pensamento . Falei em que esse tipo de poeta é um ser passivo que espera o poema. note-se bem - ele não espera somente um momento propício para realizar o poema. Ele espera o poema, com seu tema e sua forma. Há nele um grande preconceito contra o poeta que se impões um tema, contra o poeta para quem cantar tem uma utilidade e para quem cabe a essa utilidade determinar o canto. O poema é o tema do poeta bissexto. O assunto do poema é o que está dito ali. É raro o poema sobre tal ou qual objeto. Quando esse poema ocorre, apenas comunica, do objeto, a visão subjetiva que o poeta se formou dele. Note-se por exemplo, a frequência de poemas que se chamam - poema, ode, soneto, balada.
Da mesma natureza deste é o preconceito que alimentam contra o poema chamado de encomenda. Que um poeta se imponha um tema, cristalize seu poema a partir de um assunto ou de uma tese, é coisa completamente inconcebível para a moral doo poeta bissexto de hoje. Não é por preconceito contra uma possível baixeza, ou banalidade, ou prosaísmo desses temas de encomenda que os poetas se revoltam. Sua poesia geralmente aborda assuntos sem categoria e os temas que eles costumam desprezar como indignos são temas que ocuparam alguns dos poetas mais altos que já existiram - os temas que eles costumam desprezar como indignos são temas que ocuparam alguns dos poetas mais altos que já existiram - os temas da vida dos homens. O que há no fundo dessa atitude é o desprezo pela atividade intelectual, essa desconfiança da razão do homem, essa idéia de que o homem apenas sabe quebrar as coisas superiores que lhe são dadas e que nada pode por si mesmo.
Pode-se dizer que hoje não há uma arte, não há a poesia, mas há artes, há poesias. Cada arte se fragmentou em tantas artes quantos foram os artistas capazes de fundar um tipo de expressão original. Essa atomização não podia acontecer num período como o do teatro clássico francês. E embora caiba ao individualismo romântico a formulação de sua justificação filosófica, somente com o que se chama literatura moderna o fenômeno chegou a seu pleno desenvolvimento.
Talvez uma rapida recapitualção das atitudes do artista diante da norma artística, no período que viu nascer e crescer o fenômeno, possa ser de alguma utilidade aqui. Numa época como a do teatro clássico francês, a obediência à norma era um elemento essencial na criação. O artista era julgado na medida em que estritament dentro da norma, realizava sua obra. A qualidade estava equiparada à capacidade de desenvolver-se dentro dos padrões estabelecidos e justificava qualquer impessoalidade. No romanlismo, com odeslocamento par o autor do centro de interesse da obra, as normas continuam a existir, - mas somente até um ponto, até o ponto em que não prejudicam a expressão pessoal. Se se olha o artista romântico com os mesmos olhos com que se olha um artista clássico, o primeiro parecerá tão incorreto quanto o segundo parecerá impessoal. A partir do romantismo, estilo deixou de ser obediência às normas de estilo, mas a maneira de cada autor interpretar essas normas consagradas. Na verdade, esse foi o golpe primeiro, e a partir dai o que houve foi apenas um agravamento do fenômeno. Isto é aquele primeiro direito de interpretar a norma estabelecida à sua maneira viria a se transformar, depois do começo deste século, no direito de criar sua norma particular.
Essa transformação traria consigo uma consequência imediata a criação de normas particulares, de poéticasindividuais, se deu por meio de uam fragmentação do conjunto que antigamente consituia uma determinada arte. A criação de poéticas particulares diminui o campo da arte. Em vez de seu enriquecimento, assistimos à especialização de alguns de seus aspectos, pois, em última análise, a criação de poéticas particulares não passa do abandono de todo o conjunto por um aspecto particular. Esse aspecto particular passa a ser considerado pelo artista que o descobre, o valor essencial da arte, e passa a ser desenvolcvido a seu ponto extremo. Para muita gente, essa especialização significa um maior aprofundamento, absolutamente necessário se se que fazer a arte avançar. Essas pessoas parecem contar com uma idade futura, em que todos esses aprofundamentos particulares serão aproveitados numa sintese superior. Entretando, creio que esse aprofundamento é apenas aparente. desde o momento em que a arte se fragmenta, desde o momento em que sua máquinn é desmontada, sua utilidade, a função que aquela máquina exercia, ao atrabalhar completa, logo desaparece. Os que a desmontnaram tem agora consigo peças de máquinas, pedaços de máquinas, capazes de realizar pequenos trabalhos, mas incapazes de recriar aquele serviço a que a máquina inteira estava habilitada. A fragmentação da arte limita o artista forçosamente ao exercício formal. O caso da pintura moderna parece mostrar o fenomeno bastante claramente. E mesmo o caso de certos poetas. O caso daqueles que se dedicaram, com intenções serísssimas, à exploração de certas qualidades de ressonância, ou mesmo semânticas, de palavras isoladas, isto é de palavras que não devem servir, que não devem transmitir idéias - me parece bastante significativo. Esses mágicos, esses metafísicos da palavra acabaram todos entregues a uma poesia puramente decorativa. Se se caminha um puco mais na direção apontada por Mallarmé, encontra-se o puro jogo de palavras.
Portanto, o que verdadeiramente existe no fundo dessa fragmentação é o empobrecimento técnico. O poeta de hoje não poderia tentar todas as experiências. Sua técnica não é o domínio de uma ampla ciência mas o domínio dos tiques particulares que constituem seu estilo. Uma vista ligeira sobre a corrente da produção literária de hoje confirma essa afirmação. A grande maioria dos livros de poesia são coleções de pequenos poemas, cristalizações de momentos especiais, em que o trabalho formal se limita ao exercício do bom gosto. Raramente se vê o esforço continuado, nem o gosto para os infinitos problemas que implica o poema que o poeta se impõem, com seu tema e sua estrutura, e que outrora levou à criação da poesia épica, do teatro em versão, dos poemas de "arte mayor" dos espanhóis.
Não se pode dizer que esse empobrecimento técnico não exista entre os membros dessa segunda familia de espirito, isto é, a daqueles que aceitam e procuram levar as últimas consequencias o predomínio do trabalho de arte na composição literária. Na obra deles o empobrecimento é bastante visível. Porque se é verdade que o individualismo coloca o adepto da teroria da inspiração numa posição privilegiada para captar e dar expressão ao mais exclusivo e pessoal de si mesmo, é verdade também que coloca o adepto do trabalho de arte, como elemento preponderante, numa situação sem esperança, absolutamente irrespirável.
De certa maneira, esta segunda atitude é muito menos freqüente. Na literatura brasileira, então, é rarissima, entre outras razões, porque se coloca no lado oposto ao da porta por onde entram os adeptos mais numerosos da teoria da inspiração - os filhos da improvisão. Na origem da atitude que aceita o predomínio do trabalho de arte esta muitas vezes o desgosto contra o vago e o irreal, contra o irracional e o inefável, contra qualquer passividade e qualquer misticismo, e muito de desgosto, também, contra o desgosto pelo homem e sua razão. Por outro lado, não se pode negar que essa atitude pode contribuir para uma melhor realização artística do poema, pode criar o poema objetivo, o poema no qual não entra para nada o espetáculo de seu autor e, no mesmo tempo, pode fornecer do homem que escreve uma imagem perfeitamente digna de ser que dirige sua obra e é senhor de seus gestos.
Nestes poetas já o trabalho artístico não se limita ao retoque, de bom gosto ou de boa economia, ao material que o instinto fornece. O trabalho artístico é, aqui, a origem do próprio poema. Não é o olho crítico posterior à obra. O poema é escrito pelo olho crítico, por um crítico que elabora as experiências que antes vivera, como poeta. Nestes poetas, geralmente, não é o poema que se impõe. Eles se impõem o poema, e o fazem geralmente a partir de um tema, escolhido por sua vez, a partir de um motivo racional. A escrita neles não é jamais pletórica e jamais se dispara em discurso. É uma escrita lacônica, a deles, lenta, avançando no terreno milímetro a milímetro. Estes poetas jamais, encaram o trabalho de criação como um mal irremediável, a ser reduzido ao mínimo, a fim de que a experiência a ser aprisionada não fuja eu se evapore. O artista intelectual sabe que o trabalho é a fonte da criação e que a uma maior quantidade de trabalho corresponderá uma maior densidade de riquezas. Quanto à experiência, ela não se traduz neles, imediatamente em poema. Não há por isso o perigo de que fuja. Eles não são jamais os possessos de uma experiência. jamais criam debaixo da experiência imediata. Eles a reservam, junto com sua experiência geral da realidade, para um momento qualquer em que talvez tenham de emprega-la. Não será de estranhar que muitas vezes esqueçam essa experiência, com tal, e que ela, ao ressuscitar, venha vestida de outra expressão, diversa completamente.
Também o trabalho nesses poetas jamais é ocasional ou repousa sobre a riqueza de momentos melhores. Seu trabalho é a soma de todos os seus momentos, melhores e piores. Por isso, seu poema é raramente um corte num objeto ou um aspecto particular de um objeto visto pela luz especial de um momentos. Durante seu trabalho o poeta vira seu objeto nos dedos, iluminando o por todos os lados. E é ainda seu trabalho que lhe vai permitir desligar-se do objeto criado. Este será um organismo acabado, capaz de vida própria. É um filho, com vida independente, e não um membro que se amputa, incompleto e incapaz de viver por si mesmo.
Ora apesar de ser primordialmente artista, este poeta é, antes de tudo, de seu tempo. Ele é tão individualista quanto aqueles outros poetas que aceitam cegamente o ditado de seu anjo ou de seu inconsciente. da mesma forma que aqueles, este poeta-artísta ao criar seu poema cria seu gênero poético. Só que nele esse gênero não é definido pela originalidade do homem mas pela originalidade do artista. Não é o tipo novo de morbidez que o caracteriza mas o tipo novo de dicção que ele é capaz de criar. E é aqui que começa o desesperado de sua situação. Porque essas leis que ele cria pra o seu poema não tomam a forma de um catecismo para uso privado, um conjunto de normas precisas que ele se compromete a obedecer. Ao escrever, ele não tem nenhum ponto material de referência. Tem apenas sua consciência , a consciência das dicções de outros poetas que ele quer evitar, a consciência aguda do que nele é eco e que é preciso eliminar, a qualquer preço. Com a ajuda que lhe poderia advir da regra pre-estabelecida ele não pode contar - ele não a tem. Seu trabalho é assim uma violência dolorosa contra si mesmo, em que ele se corta mais do que se acrescenta, em nome ele não sabe muito bem de que.
No tempo em que se reconheciam normas definidas para o verso, a situação era diferente. Estas regras estavam objetivamente fixadas e sua aplicação podia ser objetivamente verificada. A consciência poética era o conhecimento delas, seu domínio e a vigilância ao aplica-las. O artista tinha onde apoiar-se. Sabia como limitar seu trabalho. Hoje em dia é impossível determinar até onde deve ir a elaboração do poema. Onde interrompê-la. É possível faze-la prolongar-se indefinidamente. Quase como em Juan Ramon Jimene4z, sempre a organizar de novo seus livros, sempre a elaborar mais uma vez seus poemas.
Se esta é uma primeira contradição a envenenar, pela base a atividade do poeta desta família de espíritos, uma segunda existe, também igualmente grave e igualmente difícil de ser superada. Ela atinge a literatura num atributo essencial - o de ser uma atividade criadora, isto é que visa a obter resultados concretos obras. Na verdade, a preponderância absoluta dada ao ato de fazer termina por erigir a elaboração em fim de si mesma. O trabalho se converte em exercício, isto é, numa atividade que vale por si, independentemente de seus resultados. A obra perde em importância. Passa a ser pretexto do trabalho. Todos os meios são utilizados para que este se faça mais demorado e difícil. Todas as barreiras formais o artista procura se impor, a fim de ter mais e mais resistências a vencer. Este seria o estágio final do caminho que a arte vem percorrendo até o suicídio da intimidade absoluta. Seria a morte da comunicação, e nela esse tipo de poesia iria se encontrar com a outra incomunicação, a do balbucio, que, por outros caminhos estão também buscando os poetas do inefável e da escrita automática.
Gostaria de deixar claro que ao referir-me ao leitor como contraparte essencial à atividade de criar literaturas e daí, à existência de uma literatura, não estou limitando o problema a questões como as de hermetismo ou obscuridade, ausência de rima ou de ritmos preestabelecidos, fatores em que, para muita gente, reside o motivo da indiferença e afastamento do homem de hoje pelos escritores de seu tempo. De forma nenhuma posso convencer-me de que a esses fatores caiba a responsabilidade pelo desentendimento. Prefiro vê-los, antes, não como fatores mas como consequência do desentendimento. Na verdade, quando se escrevia para leitores, a comunicaçào era indispensável e foi somente quando o autor, com desprezo desse leitor definido, começou a escrever para um leitor possível, que as bases do hermetismo foram fundadas. Porque neste momento, a tendência do autor foi a de identificar o leitor possível consigo mesmo.
Quando falo no leitor como contraparte indispensável do escritor, penso no contrapeso, no controle que deve ser exercido para que a comunicação seja assegurada. Esse controle já foi exercido pela crítica, nos tempo em que, sendo a literatura comunicação, cabia ao crítico um papel essencial, completamente diverso da criação de segunda mão a que está reduzido hoje. Esse controle se exercia a partir da necessidade do leitor, de sua exigência, definida pelo que esse leitor desejava encontrar na literatura de seu tempo. Essa exigência nem sempre é clara de se ver e ativa. em nosso tempo, os poetas podem fazer ouvidos de mercador a ela, ou mesmo desprezar até a possibilidade de vir a auscultá-la. ela nunca está formulada em termos precisos e concretos. isso cabia aos críticos, da mesma maneira que ao autor cabia sentir essa exigência, vivendo a vida de seu leitor, identificado-se com ele, integralmente.
Evidentemente, atitude do poeta de hoje não essa. É a contrária. o poeta se isola da rua para se fechar em si mesmo ou se refugiar num pequeno clube de confrades. Como ele busca, ao escrever, o mais exclusivo de si mesmo, ele se defende do homem e da rua dos homens, pois ele sabe que na linguagem comum e na vida em comum essa pequena mitologia privada se dissipará. o autor de hoje, e si poeta muito mais, fala sozinho de si mesmo, de suas coisas secretas, sem saber para quem escreve. Sem saber se o que escreve vai cair na sensibilidade de alguém com os mesmos segredos, capaz de percebê-los. Aliás, sabendo que poucos serão capazes de entender perfeitamente sua linguagem secreta, ele conta também com aqueles que serão capazes de mal entende-la. Isto é, com o leitor ativo, capaz de deduzir uma mensagem arbitrária do código que não pode decifrar.
Esse tipo de poeta individualista, apenas dá de si. A outra missão do leitor, no ato literário, a saber, a de colaborar indiretamente na criação, é desconhecida ou negada. Este poeta não quer receber nada nem compreende que sua riqueza só pode ter origem na realidade. Na sua literatura existe apenas uma metade, a do criador. A outra metade, indispensável a qualquer coisa que se comunica, ele a ignora. Ele se julga a parte essencial, a primeira, do ato literário. Se a segunda não existe agora, existirá algum dia - a ele se orgulha de escrever para da qui a vinte anos. Mas ele esquece o mais importante. nessa relação o leitor não é apenas o consumidor. O consumidor é, aqui, parte ativa. Pois o homem que lê quer ler-se no que lê, quer encontrar-se naquilo que ele é incapaz de fazer.
Houve épocas, e creio que ninguém duvida disso, em que o entendimento foi possível. Infelizmente, o plano teórico a que me obriga o tamanho desta conversa não me permite a descrição concreta de uma delas. Naquelas épocas, inspiração e trabalho artístico não se opunham essencialmente. isto é, não se repilam como pólos de uma mesma natureza. Nessas épocas, a exigência da sociedade em relação aos autores é grande. A criação está subordinada à comunicação. Como o importante é comunicar-se o autor usa os temas da vida dos homens, os temas comuns aos homens, que ele escreve na linguagem comum. Seu papel é mostrar a beleza no que todos vêem e não falar de uma beleza a que somente ele teve acesso.
Nessas épocas, a espontaneidade ganha novo sentido. Não é mais uma facilidade extraordinária de indivíduo eleito. É o sinal de uma enorme identificação com a realidade. Não é mais uma maneira de valorizar, indiscriminadamente, o pessoal. Nessa espécie de espontaneidade o que se valoriza é o coletivo que se revela através daquela voz individual. Como na poesia popular, funde-se o que é de um autor e o que ele encontrou em alguma parte. A criação inegavelmente é individual e dificilmente poderia ser coletiva. mas é individual como Lope de Vega escrevendo seu teatro e seu romancero, de aldeia em aldeia de Espanha, em viagem com seus comediantes, profundamente identificando com seu público.
Nessas épocas, também é essencialmente diferente da que vemos hoje, a atitude do poeta em relação ao tema imposto. Esse poeta cuja emoção se identifica com a de seu tempo, jamais considera violentação à sua personalidade o assunto que lhe é ditado pela necessidade da vida diária dos homens. Para o poeta de hoje essa exigência é violenta porque em sua sensibilidade ele não dispõe senão de formas pessoais, exclusivamente suas, de ver e de falar. Ao passo que no autor identificado com seu tempo não será difícil encontrar a mitologia e a linguagem unânime que lhe permitirão corresponder ao que dele se exige.
Nessas épocas de equilíbrio, fáceis de encontrar nas histórias literárias, não há na composição duas fases diferentes e contraditórias - não há um ouvido que escuta a primeira palavra do poema e uma mão que trabalha a segunda. nessa épocas, pode-se dizer que o trabalho de arte inclui a inspiração. Não só as dirige. Executa-as também. O trabalho de arte deixa de ser essa atividade limitada, de aplicar a regra, posterior ao sopro do instinto. Também não se excede nunca num exercício forma, de atletismo intelectual. O trabalho de arte está, também subordinado às necessidades da comunicação.
As regras nessas épocas, não são obedecidas pelo desgosto da liberdade, que segundo algumas pessoas é a condição básica do poeta. A regra não é a obediência, que nada justifica, a maneiras de fazer defuntas, pelo gosto do anacronismo, ou a maneiras de fazer arbitrárias, pelo gosto do malabarismo. A regra é então profundamente funcional e visa a assegurar a existência de condições sem as quais o poema não poderia cumprir sua utilidade. Para o poeta ela nào é jamais uma mutilação mas uma identificação. Porque o verdadeiro sentido da regra não é do de cilicio para o poeta. O verdadeiro sentido da regra está em que nela se encorpa a necessidade da época.
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